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11 abril 2024

Resenha - Canção de Ninar Menino Grande

Título: Canção de Ninar Menino Grande

Autora: Conceição Evaristo

Onde comprar: Livrarias locais e Amazon

Sinopse: Trata-se de um mosaico afetuoso de experiências negras, um canto amoroso e dolorido. Na figura do personagem Fio Jasmim, Conceição discute com maestria as contradições e complexidades em torno da masculinidade de homens negros e os efeitos nas relações com as mulheres negras. O livro é um mergulho na poética da escrevivência e ao mesmo tempo um tributo ao amor sob uma ótica poucas vezes vista na literatura brasileira.

Leda Maria Martins parte da manifestação corporal, religiosa e musical dos congados para inscrever o termo ‘oralitura’ como um conceito específico, baseado em letra e performance, que instaura um sujeito específico no ato de narrar, o qual apresenta fissuras, rasuras da linguagem. Em oralitura, o oral e o escrito não estão em posição de hierarquia, pelo contrário, se confluem, e reconstroem imaginários. É como penso a narrativa de Conceição Evaristo em Canção de Ninar Menino Grande, quando a autora constrói um narrador (ou narradoras, já que no início do texto existem um ‘nós’ presente) que parte da contação de uma personagem inserida na trama: Tina (Juventina) relata a trajetória de Fio Jasmin e das diferentes mulheres pelas quais ele atravessou, como o seu primeiro nome bem potencializa (fio que atravessa, penetra). Fio Jasmin é um maquinista que viaja por diferentes cidades e, em cada uma delas, se relaciona com uma mulher, mesmo sendo noivo e posteriormente casado com Pérola Maria. Cada mulher, entretanto, possui uma visão de Fio e vivencia uma experiência com ele, nem todas se decepcionam pelo seu abandono, outras já possuem final trágico devido a isso, mas Fio Jasmin, sem juízo, continua a atravessar as mulheres, perfumando-as, geminando crianças nelas, e, logo após, indo embora, retornando à Pérola Maria, que finge não saber dos casos e que tem seu como maior prazer a gravidez (foram nove). 


A Fio Jasmin foi negado ser o príncipe encantado na escola em detrimento de uma criança branca e isso o marca fortemente até a vida adulta, além disso, seu pai, Máximo Jasmim (percebam como os nomes indicam tanto) e seus colegas de trabalho reforçam a ideia do homem ‘conquistador’, ‘garanhão’, e que normaliza o ‘abandonar’ das mulheres e dos seus filhos. Pérola Maria é seu porto seguro, assim como Tina será também, ao conhece-la ainda aos 17 anos, enquanto estava com 33, e que estranhamente age de maneira ‘respeitosa’, ao seu ver, pela sua virgindade. 


Em todo o romance (ou novela, como também consideram esta trama), a paixão e o amor estão presentes, sob diferentes nuances, a partir muito mais do olhar das mulheres que se relacionam com Fio Jasmin do que por sua própria voz discursiva. Conceição Evaristo passa brevemente pela ‘masculinidade tóxica’, mas é na confluência e dessemelhança entre as trajetórias das mulheres que ela foca sua escrita, e é brilhante como são construídas as micronarrativas que se entrelaçam por um único fio. 


Algo a se destacar são os nomes presentes nas histórias de Conceição e nesta em específico: Dolores dos Santos, que já carregava antigas dores e mantinha muita desconfiança da sinceridade dos homens, Juventina Maria Perpétua, a Tina, que se modificado o artigo final, torna-se palavra que se refere a juízo, consciência ou virtude para prever perigos, entre outras personagens marcantes no enredo, as quais, acredito eu, são as verdadeiras protagonistas do livro. 


Não posso deixar, no entanto, de expor meu incômodo pela redenção de Fio Jasmin e no quanto me senti incomodada pelas ‘respostas’ a sua conduta devido ao seu passado, pelo esvaziamento de suas responsabilidades ao final da trama. Mas, como penso sobre algumas narrativas literárias, o incômodo pode e deve estar presente, contanto que seja passível de reflexões diferentes e cabíveis para o debate literário. 


Conceição Evaristo em Canção de Ninar Menino Grande nos conduz, pela canção na voz de Tina, a melodias reconhecíveis e não muito distantes do que vivenciamos fora da ficção, mas, de maneira única e muito bem elaborada, revela por meio de uma ficção o que há de mais bonito e potente na literatura: o contato com o humano e com as subjetividades que o rodeia.

20 janeiro 2021

Resenha - Milênio



Título: Milênio

Autora: Bruna Guerreiro

Onde comprar: Amazon

Sinopse: Fabiana e Cássio conheceram-se vinte anos atrás, em 1999. Fabiana e Cássio estão prestes a se encontrar, em 2019. Dentro de poucos minutos. Pela primeira vez. E este é o pior dia da vida dele. Vinte anos atrás, em silêncio e sem alarde, nascera entre os dois aquele amor indevido. Empurrara a terra sobre si para brotar, forte, impositivo, inevitável. A separação tinha sido necessária, a única coisa certa a fazer para que não se afogassem em mentiras e erros. Podaram-se os galhos. As flores feneceram. Mas as raízes, ocultas, ficaram dormentes sob o chão. Vinte anos depois, a vida e a morte se encontram numa encruzilhada do destino de Cássio e Fabiana. A partir desse momento, como anzóis lançados em águas fundas e turvas, os flashbacks capturam e resgatam as memórias desse sentimento, trazendo tudo à tona outra vez. 

Fabiana e Cassio se conheceram em uma sala de bate-papo na internet, lá em 1999, e da amizade inesperada, surgiu uma paixão avassaladora. E proibida. Cassio era casado, deixando isso claro desde o início, porém, quem comanda o coração, em tempos de apaixonamento, se não nosso próprio desejo em continuar em contato com nossa paixão? Porém, depois de sua separação e longos vinte anos, os dois estão prestes a se encontrar.

A narrativa de Bruna Guerreiro prende o leitor do início ao fim. Além de sua escrita impecável, narra uma história de amor, proibido, mas muito bem desenvolvida e tão bem contada que quase não nos damos conta de se tratar de uma traição. Sim, Cassio se apaixona perdidamente por Fabiana e troca mensagens com ela por um longo período, mesmo estando casado, mesmo amando sua esposa. E esse é um dos pontos da narrativa interessantes de serem refletidos: há possibilidade de amar duas pessoas igualmente? Ou, há possibilidade de amar duas pessoas, de maneira distinta, mas ainda assim ser amor? Se ninguém é perfeito, como lidar com a quebra da moralidade e ética em um relacionamento a dois? É o que a autora nos faz pensar em sua narrativa pra lá de apaixonante e emocionante.

Cassio não deixa de ser o mocinho da trama, pois mesmo traindo a confiança de uma relação monogâmica como a que tinha, tenta não cair na tentação do contato físico com Fabiana, pois sabe que, a partir disso, a história entre dois já seria outra. E é difícil não pensar em como isso pode soar conivente com a traição masculina tão presenciada, desde sempre, mas lembremos que também Fabiana se apaixonou, aceitou a condição e fez escolhas, ponderadas e baseadas pelos seus sentimentos, mas nunca deixando de ter autonomia sobre suas decisões.

Não pensem que foi fácil... Fabiana sempre foi muito admirada e respeitada por Cassio, mesmo com muitas inseguranças sobre si. A jovem também não deixa de comportar-se de forma a ultrapassar os limites estabelecidos na relação em que se envolveu, mas não se pode negar o quão torturante deve ser apaixonar-se perdidamente por alguém e não poder tê-lo nos braços. E essa dor pode ser sentida pelo leitor, pois há toda uma empatia construída sobre os dois, sobre o que sentem, sobre suas conversas e segredos compartilhados.

Ao longo da trama, em um vai e vem temporal entre 1999 e 2019, vamos conhecendo melhor Cassio e Fabiana, de maneira individual e na relação entre os dois. Não há como negar as semelhanças e a 'química' envolvente entre duas pessoas diferentes, mas que poderiam ser destinados um ao outro, pelo amor. E mesmo em um relacionamento a distância, ocorrido há 20 anos, o entendimento, a compreensão, o afeto é latente. 

Sabemos que os dois irão se (re)encontrar nos anos 2000 (sim, encontrar, pois nunca se conheceram pessoalmente), mas como irá acontecer e de que forma os dois irão se comportar são as dúvidas que pairam na trama. A expectativa para o encontro é angustiante, pois é grandiosa, e confesso que me senti como uma mocinha de 15 anos, com borboletas no estômago, durante as cenas entre os dois. Como escrito anteriormente, é uma trama que prende o leitor, principalmente se você já gostar muito de romances românticos. A vontade de escrever sobre o final é tentadora, mas vou deixar para a imaginação e desejo de quem lê esta resenha em buscar saber mais.

O livro está em formato e-book, disponível na Amazon, e não há erros a serem apontados. Ainda possui uma trilha sonora perfeita em várias partes, para se ouvir e se deleitar junto às cenas lidas (e são músicas perfeitas para os momentos descritos). Recomendo fortemente aos românticos apaixonados ou aos que desejam se aventurar em um romance romântico profundo. Milênio é de tirar o fôlego.

21 outubro 2020

Resenha - Antes de partir desta pra uma melhor

Título: Antes de partir desta pra uma melhor
Original: One Last Thing Before I Go
Autor: Jonathan Tropper
Editora: Arqueiro
Onde comprar: Amazon
Sinopse: Não é preciso ser nenhum gênio para perceber que a vida de Drew Silver é uma sequência de decisões equivocadas. Faz quase uma década que sua banda de rock emplacou uma música, filha única de mãe solteira. Desde então, a banda se separou, sua mulher o largou e Silver tem assistido a vida passar, tocando em casamentos – quando aparece algum – e descontando os cheques cada vez menos frequentes que recebe pelos direitos autorais de seu único sucesso. Silver então descobre que a ex-mulher está prestes a se casar de novo e que a filha adolescente, Casey, está grávida. Para completar, depois de sofrer um derrame que o deixa incapaz de controlar a língua e guardar para si o que pensa, ele precisa de uma cirurgia no coração. Diante desse cenário, o músico fracassado depara com a pergunta decisiva: será que vale a pena salvar uma vida tão mal vivida? Assim, sob o olhar exasperado da família, ele toma a decisão radical de se recusar a fazer a cirurgia e dedicar o pouco tempo que lhe resta a tentar consertar o relacionamento com Casey e aproveitar a vida – mesmo que ela não dure muito. Com diálogos rápidos, irônicos e sagazes, Jonathan Tropper confirma sua habilidade em retratar com humor e perspicácia o lado oculto da família moderna.

Ler Jonathan Tropper novamente foi divertido. O livros do autor, se bem me recordo, geralmente são sobre histórias de homens (héteros e cis) em situações meio fracassadas de vida e que encontram em seus caminhos algum meio de mudança, seja por meio de uma pessoa nova, um acontecimento ou uma epifania, que os fazem perceber que a vida é muito mais do que frustrações e perdas.

Em Antes de partir desta pra uma melhor, temos a história de Silver (ele é comumente chamado pelo sobrenome), divorciado, possui uma filha que não realiza muito contato, uma ex-mulher noiva de um médico renomado. O ex-estrela de rock atualmente toca em aniversários e bar mitzvá, e mora em um hotel famoso em ser moradia de divorciados. Silver se sente sozinho e sem perspectiva de vida, mesmo tendo amigos da mesma idade ao seu redor, todos, porém, possuem algum problema em família.

A narrativa de Silver muda quando sua filha reaparece em sua vida, dizendo estar grávida. Uma jovem de apenas 18 anos já com uma grande responsabilidade em mãos. Silver também descobre ter uma grave complicação no coração que possivelmente o matará a qualquer instante, e decide não se operar para salvar sua própria vida, ele prefere a morte iminente, pois já não vê sentido em mais nada. Enquanto isso, toda a sua família se desespera por sua decisão, e sua filha decide também manter sua gravidez (mesmo a contragosto de todos), em desafio à decisão de seu pai.

Assim se inicia essa trajetória ao mesmo tempo engraçada e dramática na vida do protagonista. Tropper  narra muito bem a mente de um adulto na faixa dos seus 40/50 anos, homem hétero e cis, partindo mesmo dessa perspectiva bem estereotipada do gênero, pois não à toa enfatizo que suas narrativas possuem protagonistas do tipo. Pessoalmente, isto poderia ser um empecilho para gostar da leitura, mas perdoadas as situações e posicionamentos machistas presentes no discurso de alguns personagens (inclusive criticados na trama por meio de outros personagens), a leitura se torna envolvente e gostosa de ler, pois, mesmo tratando sobre morte e dramas familiares, os diálogos entre os personagens, os pensamentos e lembranças de Silver, as situações vividas por ele com a família e amigos são bem engraçadas, possuindo um humor ácido e melodramático que me agrada.

Mesmo se tratando de uma narrativa um tanto densa em alguns aspectos, há reviravoltas durante a trama, mas é como se tivéssemos acompanhando o dia-a-dia de uma família desconjuntada que, no entanto, se amam e se preocupam uns com os outros. Assim, temos uma história de amor, de solidão, de arrependimentos, de compaixão, de descobertas e de reflexões sobre família e do que realmente importa em nossas vidas.

A edição da Arqueiro está impecável, neste novo modelo de edição (possuo outros dois livros do mesmo autor, que seguiam o mesmo modelo de capa e tipo de papel), a capa está belíssima, o papel dura muito mais tempo sem acumular poeira e ficar completamente amarelado, além da tradução e revisão estarem boas. Recomendo a quem se interessar em livros de humor leve, sobre fracassos momentâneos e reflexões de vida.

01 outubro 2020

Resenha - Heróis involuntários

Título: Heróis Involuntários
Autora: Camila Pelegrini
Editora: Delirium
Onde comprar: Delirium Editora Sinopse: Poderia existir moralidade em se preocupar com vidas animais quando tantas humanas padeciam? Poderia existir sentido? Poderia existir um limite para a compaixão que se pode possuir? A resposta talvez não seja óbvia, porque a pergunta tampouco é. Uma jovem, solitária e amedrontada enfermeira. Um jovem, ferido e assustado pássaro. Um encontro que poderia carecer de significado, mas que acabou mudando vidas. A da ave. A de Madison. E a de tantos animais que cruzaram seu caminho a partir de então. Este é o relato de uma mulher que se arriscou ao enxergar o invisível. É a confissão de uma mulher que ousou agir movida por suas próprias convicções. É a história de alguém que teve dúvidas, conquanto humana, mas que seguiu mesmo assim, pois é isso o que mulheres fazem. O drama de alguém que não salvou “apenas” animais. O drama de alguém que salvou vidas.

Heróis Involuntários é de autoria da Camila Pellegrini, a responsável pelo selo editorial da Delirium: Inspirium, um selo destinado a publicações de autoras mulheres e que é, além de necessário no mercado editorial brasileiro, muito significativo, para autoras contemporâneas ou não. A Camila é autora de vários títulos, além de já ter publicado contos em algumas antologias. Conhecer sua escrita, além do seu trabalho belíssimo na editora, foi mais do que especial.

O livro narra a história de uma enfermeira durante a Segunda Guerra Mundial, na Inglaterra, que inicia sua trajetória com os animais após o resgate de um gato ferido. O gatinho perdeu suas duas patas traseiras e a protagonista o encontra em estado grave em meio à cidade caótica. Mesmo assim, ela consegue salvá-lo e pela primeira vez vive uma experiência com bichanos, em que ele se torna seu alento, nesse período tão cruel e turbulento. 

A enfermeira continua salvando homens, indo ao hospital de guerra para cumprir seu dever, porém, seu trabalho também se volta para os animais, cavalos, cachorros, gatos, passarinhos... Todos que encontra no meio do seu caminho e aos arredores de sua casa, no trajeto casa-trabalho, ela tenta salvá-los ou tratá-los, para garantir talvez um sofrimento menor a eles.

Por meio dessa história, conhecemos a dimensão da problemática sobre o tratamento que a humanidade forneceu aos animais. Cachorros, gatos e até morcegos foram utilizados no período histórica da narrativa, como tentativa de os transformarem em armas, destinadas a matar/ferir os inimigos de guerra. E claro, o resultado não seria outro se não uma matança de bichos, principalmente de cachorros, sem nenhum toque de compaixão ou preocupação com a vida desses seres.

A história de Camila e sua enfermeira dedicada aos animais é tocante e sensível, mas não menos angustiante. As cenas de guerra entremeadas com as cenas no lar da protagonista, ela e seu gato, com descrições tão verossímeis no narrar do afeto e carinho que o bichinho nos proporciona, são duas das grandes qualidades que a narrativa de Camila possui. Para quem tem o amor pelos animais, especificamente por gatos, a identificação com a trama é inevitável. E muito bela.

Porém, mesmo com todo o cenário caótico e todas as maldades descritas que possuem um pano de fundo baseado em histórias reais, o final da trama ainda me proporcionou uma sensação de esperança. Não pelo que aconteceu com os bichinhos, mas pela resistência de Madison, nossa enfermeira cheia de bravura, que resistiu, até o último momento da trama, em salvar os animais, e que não desistiu do seu propósito. Pessoas como essas existem na vida real, são elas que nos proporcionam esperança, e ao conhecer a autora, igualmente defensora dos bichanos, tão dedicada aos seus, vi muito dela nessa protagonista, o que não deixou de tirar toda a magia de sua história ficcional, pelo contrário, a leitura possuiu uma simbologia muito mais significativa.

A edição da Delirium está muito boa. Contém pinturas/ilustrações de Flávio Pereira, o fundador da Delirium, autor e ilustrador talentoso, além de estudos sobre a época. A obra possui uma lista de referências estudadas pela autora, que proporciona ao leitor outras leituras sobre o tema. Afora alguns errinhos de revisão textual (pouquíssimos), a edição está belíssima. Recomendo fortemente.

07 setembro 2020

Resenha - Menina do Mato & Outros Poemas Anfíbios

Título: Menina do mato & outros poemas anfíbios
Autora: Josiane Melo
Editora: Pará.grafo
Onde comprar: Pará.grafo Sinopse: Menina do mato e outros poemas anfíbios é exatamente como um livro de poesia deve ser, conciso. Assemelha-se com as águas predominantes na Amazônia, não há nada de cristalino em sua palavra, você pode mergulhar mas desconhece toda espécie de seres e objetos viventes no fundo. Quem transita entre águas tem alguma comunidade ou urbe destino. E a geografia da poeta nos convida para ampliar nossa noção de cidade. O restante do Brasil e do mundo tem mania de imaginar a Amazônia em uma dialética tensa entre florestas e desmatamento, rural e urbano. E se levássemos a sério esses versos, encontrando uma verdade tão óbvia de escondida, não é a cidade e o mundo inteirinho uma floresta calculada?

Ler poesia paraense está sendo mais do que prazeroso. Continuo em meu projeto pessoal de ler mais poemas e mais autores oriundos da minha região, Pará, e a Josiane Melo foi mais uma leitura privilegiada que realizei. Menina do Mato e Outros Poemas Anfíbios é um título bem sugestivo à obra, mas ela não se resume apenas pela menção e referências de elementos paraoaras (relativo ao Pará); os poemas de Josi remetem igualmente a questões de identidade, referências literárias, amor, família e sobre ser mulher.

Há que se enfatizar, também, o prefácio do livro, escrito por Hermes Veras, também escritor, que nos deixa com um gostinho de quero mais ao ler sua apresentação, muito bem escrita e igualmente poética, estando muito bem à altura da produção de Josi.

A poesia do mato, do rio, das ruas enlameadas, das prateleiras de livros a se equilibrarem em habitações de palafitas, sempre passíveis de mergulho, enfim, a poesia anfíbia é um brinquedo de cura!
Hermes de Souza Veras (viu.eitanem)

É um livro curto, mas muito significativo, principalmente pelos elementos regionais presentes: a rede, o mato, o rio, a ancestralidade familiar, o linguajar paraense, os costumes daqui. A leitura e releitura desses breves poemas, grandiosos em sua poética, é mais do que bem-vinda e relembrar do que foi lido também.

Josi também nos apresenta em sua poesia uma mulher escritora apaixonada por livros, por leitura, por literatura em si. Minhas partes preferidas com certeza foram as de referências feministas e de outras produções literárias:
corri para ver o mar
com entusiasmo de escavar
corpos preciosos
da ditadura militar
convivemos com a morte diária
pelas beiradas dos canais
matas
rios
dos becos verticais
fingimos não ver
a morte clandestina
pelos becos da memória
no corpo da menina
Mortalidade clandestina (Para Conceição Evaristo) - Josiane Melo
Além da simpatia e carisma da autora (poder ter um exemplar autografado e um encontro, breve, mas pessoal com o autor, é uma das vantagens de se ler literatura contemporânea de autores locais), a edição da Pará.grafo, editora de Bragança (cidade do Pará, a 212 km de distância da capital) é primorosa. Afora um errinho na segunda orelha do livro, não tenho o que apontar na revisão ou diagramação dele. Recomendo muito a quem gostar do gênero ou quem deseja iniciar na leitura de poemas.

24 agosto 2020

Resenha - Guardiões do Império: O Selo do Sétimo

Título: Guardiões do Império: O Selo do Sétimo (Livro 1)
Autora: Giuliana Murakami
Editora: Empíreo
Sinopse: Yuka Kamimura levava uma vida monótona em uma cidadezinha do Japão, cuidando de sua avó enferma enquanto lidava com problemas não tão casuais da adolescência. Certo dia, porém, quando encurralada perigosamente por estranhos, foi salva por uma equipe de Guardiões Elementares de Magia Transcendental ligados ao enigmático país Império de Minerva.
Levada à força para terras misteriosas, Yuka descobre que seu destino não está relacionado somente a cuidados domésticos e sonhos sem futuro: ela assume um papel importante para as relações políticas daquela nação, um lugar repleto de magia e com uma nova forma de organização social, a qual está permeada de segredos e perigosas intenções por parte de agentes internos e externos. Com seus fiéis seguidores, deverá confrontar os monstros da responsabilidade, da decepção e da infidelidade diante de batalhas que envolverão não somente sua pouca experiência em lutas como também sua capacidade de discernir, em meio a uma teia inesgotável de interesses, a melhor decisão a ser tomada durante todos os seus grandes e inesperados desafios, para além do amor, da dor e da morte.
Onde comprar: Amazon

Guardiões do Império é o livro premiado da autora parceira do blog, Giuliana Murakami. A história é sobre Yuka Kamimura, uma jovem que leva uma vida monótona até ser encurralada por estranhos aparentemente muito perigosos e resgatada por uma pessoa completamente desconhecida.

Yuka cuida de sua avó, muito doente, e trabalha em uma livraria da cidade onde mora, localizada no Japão. Além de sua avó, de companhia só possui seu cachorro. Passando por dificuldades, Yuka ainda sofre bullying na escola, mas é uma jovem muito altruísta e apaixonada por suas leituras. Ao ser confrontada, sozinha, por rapazes que a encurralam em uma rua solitária, desejosos em feri-la, é resgatada por outra pessoa desconhecida, mas que a salva dos seus algozes. Yuka acorda distante de casa, sem saber o que ocorreu e sendo chamada de Imperatriz. 

O Império de Minerva é o universo criado por Murakami e é incrivelmente bem detalhado e construído em sua narrativa. Yuka descobre ser, na verdade, alguém muito importante neste local e todos se voltam para lhe proteger, pois ela sucederá no reino do país. Quem a salvou é um de seus Proctetore, destinados a proteger a vida da Imperatriz, treinados para isso. Os Guardiões Elementares da Magia Transcendental compõem os que comandam os clãs no Império de Minerva. Há todo um sistema de organização neste país e Yuka precisa aprender, rapidamente, sobre tudo isso, além de treinar para sua defesa, pois os ataques para retirar sua vida são constantes desde o primeiro episódio em que foi salva.

Yuka é, além de tímida e desajeitada, muito meiga e ingênua. Há que se enfatizar que todos são encantados pela futura Imperatriz, menos uma de suas Proctetore, Bianca Cappuccino, a qual mantém segredos em relação às suas intenções com a sucessora dos Kamimura. Além dos mistérios envoltos nas trajetórias de alguns personagens principais da trama, temos também muitas cenas bem humoradas e gostosas de ler, enquanto vamos descobrindo, juntamente a Yuka, quase tudo o que envolve o país de Minerva e sua história.

O romance, no entanto, não deixa a desejar em cenas de ação, nos combates contra os espectros, seres perigosos que surgem misteriosamente, em grande quantidade, atacando Yuka e os Guardiões. Eles são especiais, a magia, neste país, existe, e possui toda uma explicação ancestral para ela. O Império ainda abriga várias nacionalidades, o que evidencia uma diversidade nos costumes e hábitos dos personagens; tal fato é evidenciado não somente com a protagonista Yuka, de claras influências japonesas (até no trato com os seus amigos), mas igualmente nos diálogos entre os Guardiões.

A heroína jovem e meiga aprende muito rapidamente que precisa amadurecer em seu posicionamento e sentimentos enquanto Imperatriz. Será por sua própria sobrevivência. Neste primeiro livro já vemos o início desse processo, e o final proporciona aquela vontade de 'quero mais'. A continuação não tem previsão, mas creio eu que os leitores estão mais do que ansiosos para saber as próximas aventuras de Yuka, Bianca e demais personagens da trama.

Por fim, Giuliana Murakami não deixa nada a desejar neste primeiro livro sobre Yuka e sua jornada heroica como imperatriz de Minerva. A edição é da Empíreo, possui algumas 'gralhas' na revisão e diagramação, além da fonte, que poderia ter sido maiorzinha, mesmo aumentando o número de páginas na edição impressa. Fora isso, o livro de Murakami é perfeito para os amantes de fantasia, jovens e adultos, além dos que desejam se aventurar neste gênero. Aguardo ansiosa pela continuação!

10 agosto 2020

Resenha - se deus me chamar não vou

Título: se deus me chamar não vou
Autora: Mariana Salomão Carrara
Editora: Nós

Onde comprar: Amazon - Travessa

Sinopse: Quem vai te contar essa história é uma criança de 11 anos. O olhar fresco e bem humorado de quem ainda vê a vida como mistério está aqui, mas vá por mim: não subestime a solidão de Maria Carmem.
A aprendiz de escritora, enfrentando as angústias da “pior idade do universo”, irá te provar que é possível, sim, que uma menina seja mais solitária do que um velho. Ao menos uma menina que, como ela, cresce e cria suas perguntas entre os objetos de uma “loja de velhos”. Ali elas já nascem antigas, frescas e pesadas, doce feito da mais dura poesia. Maria Carmem nasceu no fim. Sendo assim, do que interessa a idade? Como ela mesma diz, “é possível que um lápis pareça estar novo, mas todo quebrado por dentro”.
É assim, toda quebrada por dentro, que ela desconstrói o mundo diante de si, o mundo adulto que cria regras e não as obedece, o mundo escolar, tudo: “na aula de matemática o problema dizia que um menino e uma menina precisavam calcular quantas laranjas levar ao parque se os convidados meninos comiam tantas e as meninas só mais tantas cada uma. E eu escrevi que não era pra levar nenhuma, que tudo é mentira, ninguém vai junto a parque nenhum nessa vida”. É também assim que ela junta e faz pergunta e faz poesia com tudo o que se ergue e desmorona, os pais, deus, o amor, o corpo, a morte, o difícil que é entender o amor dos outros.
Quando crescer, Maria Carmem vai ser escritora. Mas Maria Carmem já cresceu e já é. Esse livro é uma generosidade de sua poesia. Uma oportunidade de a gente crescer com ela.

Este livro ganhei de presente e confesso que desconhecia completamente a Mariana Salomão Carrara, autora premiada e publicada pela editora Nós, que está fazendo um trabalho lindo com a literatura brasileira e estrangeira no país.

se deus me chamar não vou é uma narrativa contada por uma menina de 11 anos, Maria Carmem, em primeira pessoa, sobre sua rotina com a família, os dois pais, na escola e em outros locais que frequenta. É uma guria sem grandes acontecimentos a serem narrados, ou superpoderes para esbanjar, mas que tem algo a contar. Maria Carmem é extremamente inteligente e sensível, e sua escrita não deixa rastros sobre outra pessoa escrevendo por ela. É realmente uma menina de 11 anos relatando em seu caderno/diário sobre como foi seu dia, o que pensa e o que sente nas diferentes situações que ocorre em sua rotina. Aspirante a escritora, Maria Carmem quer um dia ser premiada e reconhecida por seu trabalho, proporcionando orgulho aos seus pais, a quem mais deseja impressionar.

Seus pais possuem uma loja de artigos para idosos, herdada de seus avós, que faleceram recentemente na narrativa, porém, estão em uma condição de quase falência. Maria, ao ver na televisão um especialista na gerência de lojas do tipo, escreve para essa pessoa em busca de ajuda e ele vai até ela. Assim iniciam-se os acontecimentos principais desta trama. Os pais, com a loja indo bem, parecem mais divertidos, mais apaixonados e mais esquecidos também da presença da filha. Maria se sente sozinha, acha que não haverá companhia pra si no futuro e tem inveja da mãe pela sua destreza e beleza. Há motivações mais sérias e profundas para esse comportamento de Maria. Ao longo da trama, iremos descobrir também que o novo rapaz incluído na família não é meramente alguém que sempre os ajudam.

Maria ainda faz amizades com a vizinha e a amiga dela, mas, aparentemente, todas as suas relações tem uma particularidade interessante pela visão da criança. Ela traz seus pareceres sobre as pessoas com as quais convive a partir do que pensa sobre si, do que projeta nos outros e do que gostaria de ser/ter. É uma narrativa de reflexão sobre si mesmo, perspectivas sobre o mundo e sobre as pessoas, questionamentos sobre quem somos e para onde vamos, ou do que são feitas as coisas. Ou seja, um enredo imperdível de apreciar.

Não gostaria de expor mais sobre a trama, acredito que o diário de Maria Carmem deva ser lido e bem apreciado em suas minúcias e personagens existentes nele. A trama, em si, carrega um quê de melancolia e sensibilidade por meio da voz de uma criança inteligente e sonhadora, com cenas bem-humoradas, justamente pela inocência do eu-lírico, de maneira genuinamente muito bem feita, muito bem escrita. Mariana Salomão com certeza é uma autora que pretendo ler mais, sua escrita é deliciosamente fluida e envolvente. Ler a história de Maria Carmem foi doce e divertido. A edição da Nós está impecável.

27 julho 2020

Resenha - Deus com a língua nos dentes

Título: Deus com a língua nos dentes
Autor: Raimundo Vieira
Editora: Paka-Tatu
Onde comprar: Livraria Paka-Tatu


Ler poemas não é algo costumeiro em minha rotina literária, venho mudando isso aos poucos, até mesmo como uma forma de preparação para possíveis aulas sobre o tema, além de ser um alento esse tipo de leitura, que fala tanto sobre tantas coisas, às vezes em poucas palavras. Descobrir "novas poesias" está sendo leve e muito prazeroso. Em um projeto de iniciar essas leituras e conhecer também autores da minha região, do estado do Pará, tive o prazer de realizar a leitura desse livro, de um professor em que já trabalhei no mesmo colégio, e que possui uma produção incrível.

Deus com a língua nos dentes trata sobre diversos temas, entre críticas sociais, homenagens ao filho, e menções ao rock e outros gostos pessoais, porém, o que mais chama atenção são as referências da área de Letras: entre paródias literárias e alfinetadas linguísticas, a obra de Raimundo Vieira é divertida, mas principalmente questionadora de um status quo acadêmico.

Ora, signo linguístico...
Promova o armistício.
Substantive a ação.
Catacrese a vida.
Significante patético.
Verbalize logo o poético.
Raimundo Vieira

A ironia e o sarcasmo sobre diferentes assuntos é o ponto-chave atraente da obra. Não há 'papas na língua', mas também não há críticas descaradas. Há, sim, uma linguagem subversiva e poética, voltada para apontamentos mais do que necessários relativos a diferentes questões sociais, pessoais e profissionais.

No cubículo do elevador.
No quadrado do quarto.
No ônibus retangular.
Na igreja piramidal.
No círculo universal.
O enquadramento circunscrito da liberdade...
Raimundo Vieira

As referências literárias, não somente no fazer poético do próprio autor, mas explicitamente marcados nele, é outra grata surpresa na obra. Encontrar essas referências, por meio da sua escrita, é se deparar com leituras e memórias literárias já lidas, pertencentes à nossa formação (enquanto profissionais de Letras, e enquanto amantes da Literatura.

Ser literárioDesviar da pedra do caminho.
Pular a terceira margem do rio.
Preservar o olhar oblíquo e dissimulado.
Morder a maçã no escuro.
Deixar flores no cemitério dos vivos.
Não calar o Boca do Inferno.
Expelir o concretismo.
Transfusão e mimetismo.
Transição e transformismo.
Literário e libertário.
Raimundo Vieira

No mais, a edição da editora Paka-Tatu está perfeita, a capa transmite um pouco sobre o que se trata o livro, e sou grata por tê-lo em minha estante. É um livro para ser lido sempre que possível, em dias difíceis ou amenos, por meio dessa poesia em que me encontrei tanto.

20 julho 2020

Resenha - Antologia: Sonhos Literários

Título: Antologia - Sonhos Literários
Autor | Org.: Brenda Rodrigues
Editora: Selo Editorial Independente
Sinopse: "Sonhos Literários" reúne um conjunto de textos compostos por escritores de vários lugares do Brasil. Dentre esses escritores você encontrará iniciantes e também veteranos do ramo literário, que através de suas expressões nos mostram um pouco mais sobre si mesmos.
Cada página está representada por uma pessoa, de algum estado, cidade e idade, e isso te fará enxergar com outra perspectiva sobre diversos temas.

Este foi um dos primeiros livros a qual publiquei algum texto meu. A antologia Sonhos Literários foi organizado por Brenda Rodrigues, autora paulista, integrante do Selo Editorial Independente, destinado à publicação de autores nacionais.
Particularmente, nunca confiei muito em minha escrita, mas em 2018, com tempo livre e várias ideias na cabeça, decidi arriscar em editais de publicação, de editoras menores, mas que fizessem um bom trabalho. O texto inserido nesta coletânea é o 'A certain romance', um pequeno conto de enredo romântico, adaptado de um conto disponível também aqui no blog, confere aqui. O conto foi inspirado em canções de uma das minhas bandas favoritas, Arctic Monkeys, mas não éfoi inspiração necessariamente da música de mesmo título.
O livro possui diferentes gêneros, de poemas a contos, crônicas e relatos, e de autores das diversas localidades do país. As temáticas também variam: entre romance, questões existenciais, memórias, sonhos e até sobre a própria escrita literária. É interessante perceber as diferentes visões e criações que perpassam os escritores, de maneira tão distinta.
Particularmente, os poemas me encantaram muito. Alguns tratando do cotidiano, outros de amores passados, e outros sobre a vida, a existência, o ser:
Luz, câmera e ação
A vida é agora
E é o presente
Abra os olhos, agradeça e desate o nó
Pois, quando olhar para trás
Tudo o que viu já não existe mais
O tempo já o transformou em pó.
Luz, Câmera & Ação; Edson Alves
Porém, outra produção me chamou atenção, o de Camila Muniz, a qual escreveu minicontos(?) imitando os 140 caracteres de um tweet:
Ironia do escritor
É achar que com apenas 140 caracteres se pode fazer poema de humor. Terror. Dor. Ou até amor.
[...]
Vida Dupla
O lápis preto tinha uma ponta de borracha. De um lado escrevia a vida. Do outro apagava a história.
Camila Muniz
A diagramação possui suas particularidades, há uma moldura nos lados das páginas e uma ilustração em todo início de texto. No entanto, a revisão deixou a desejar um pouco. Acredito que, incluo o meu texto nisso (risos nervosos), que a escrita de alguns textos poderia fluir melhor caso alguns desvios fossem corrigidos. Contudo, trata-se de uma das primeiras produções do selo, e acredito que os autores participantes também estavam no começo de suas produções, logo, erros são comuns. Hoje entendo que valorizar a escrita autoral, nacional e independente é mais do que necessária e dar voz a autores/autoras de diferentes regiões do país é também nosso dever enquanto leitores, acadêmicos ou entusiastas na Literatura. Tem espaço para todos e a expressão artística e literária não deve ser relegada apenas a alguns grupos específicos.
Engajei em uma sequência de leitura de livros onde há publicação de textos meus. Este foi o primeiro. Em 2018 publiquei em duas coletâneas. Em 2020 está saindo mais dois. Talvez eu tenha uma ordem específica de publicação? Não sei haha'
Aguardem as próximas resenhas.

08 julho 2020

Resenha - Corolário da Alma

Título: Coletânea Corolário da Alma
Autor | Org.: Vários autores
Editora: Porto de Lenha
Sinopse: Este livro reúne um pequeno centelho da vasta criação corrente de norte a sul do país. Você lerá trechos da contextura em prosa ou verso, dos sessenta e seis autores expressos nas páginas de Corolário da Alma.
Onde comprar: Site Porto de Lenha

Esta coletânea foi a primeira onde publiquei um texto meu. O pequeno conto se intitula "Aquela palavra com 4 letras", de teor romântico e também disponível aqui no blog: confere aqui

A coletânea reúne diferentes gêneros: poemas, contos, crônicas, relatos e minicontos, de diferentes autores pertencentes a várias regiões do país. Novamente, me deparar com as produções de autores independentes e nacionais, desconhecidos, traz boas surpresas e descobertas.

Entre as diferentes temáticas existentes neste livro; várias sobre o amor romântico, algumas sobre descobertas, decepções amorosas, outras sobre lembranças, família e até sobre seres sobrenaturais e contos de suspense (há um pequeno conto sobre vampiros), uma produção me chamou atenção, principalmente pela inspiração indicada no próprio texto, de Eneida de Moraes, escritora paraense (meu local de origem e moradia), do século XX.

[...] Dulce tinha no vento seu companheiro. Ele trazia-lhe cheiros, sabores, alegria, companhia. Seu caminho parecia ficar mais fácil quando o vento a acompanhava. 
E mais uma vez Dulce o vê. Chamava-lhe intimamente de camaleão. Aquele homem camuflava-se. Nada que pudesse ser percebido. Ela não sabia o que era: apenas não se sentia à vontade diante dele. Não sabia como, mas ele representava perigo. [...]

O conto é de Helena Girard e trata sobre Dulce e Arantes, em um episódio de estupro. O tema é, no mínimo, degradante e incômodo de se ler, mas a escrita de Helena e como ela conduz a história, é muito bem feita. O elemento vento, introduzido na narrativa de forma quase que personificada, casa muito bem, do início ao fim na trama, ele se relaciona com Dulce e sua trajetória drástica. A indicação de Eneida ao final me fez curiosa em ler a obra, já que ainda não tive a oportunidade de conhecer o trabalho da autora.

Voltando a tratar sobre o livro no geral, nele foram inseridas ilustrações em todo início de texto, além de ilustrações ao final de alguns deles, relacionados aos temas abordados. A revisão deixou um pouco a desejar, acredito que um trabalho feito por alguém da editora e em conjunto aos autores poderia ter alavancado a qualidade dos textos, mas nada que interfira significativamente na leitura.

13 agosto 2018

Resenha - O Santo Inquérito

Título: O Santo Inquérito
Autor (a): Dias Gomes
Editora: Bertrand
Sinopse: Uma mensagem de bondade, de generosidade, de lealdade e de respeito humano O santo inquérito conta a história de Branca Dias, cristã nova e ingênua, filha de Simão Dias e noiva de Augusto Coutinho, que foi vítima de perseguição após cometer um ato que, aos seus olhos, julgava ser de extrema bondade: salvar de um afogamento o padre da cidade. Esta é uma das grandes peças brasileiras modernas, por suas intenções artísticas e por suas preocupações sociais. Baseando-se num episódio histórico – ou lendário, como o de Branca Dias, vítima da Inquisição que alguns estudiosos veem como uma espécie de Joana D’Arc cabocla –, Dias Gomes afasta, de imediato, as fáceis, espetaculares e vistosas pompas que um escritor romântico traria para o palco. O que lhe importa é o conflito entre a pureza da personagem, a sua boa-fé, a sua sinceridade, e aqueles que deturpam seu comportamento, enxergando-o como uma ameaça à ordem e ao sistema de ideias estabelecidos. • O santo inquérito é outra manifestação do criativo talento do mestre do teatro que é Dias Gomes, de quem o público já conhece as aclamadas peças O Bem-Amado, Campeões do mundo e O pagador de promessas. • Dias Gomes foi um dos mais prestigiados dramaturgos e autores de telenovelas brasileiros do século XX e foi eleito para a Cadeira 21 da Academia Brasileira de Letras em 1991.

O terceiro livro lido, por mim, de Dias Gomes, novamente me surpreendeu pela sagacidade crítica do autor em temas tão complexos, polêmicos, mas tão atuais pertencente à sociedade. O Santo Inquérito trata de uma peça baseada em um episódio histórico (ou lendário) de Branca, a Joana D'Arc brasileira, levada à fogueira pela Santa Inquisição.

Assim como em Pagador de Promessas, outro grande sucesso do autor, a crítica à Igreja Católica nessa presente peça é evidente. Branca Dias é uma jovem noiva, que vê Deus em tudo, na natureza, nas alegrias da vida, nas conversas, no amor. Noiva de Augusto Coutinho, filha de Simão Dias, vive uma vida em paz e comunhão com Deus, porém, em um encontro com Padre José Bernardo, ao salvá-lo de um afogamento no rio em que costumava banhar-se nas noites quentes, todo o seu comportamento é considerado lascivo e herege, confundido com os pecados que a Igreja condenava, a partir da visão do padre que, declaradamente (pelo menos aos leitores da obra), nutria sentimentos por Branca.

Os diálogos são muito bem escritos, a ingenuidade e inocência de Branca é patente, ao lado das falas más intencionadas do padre, que busca, em uma declaração ou comportamento pequeno condenar a moça por sua própria paixão, condenando-o a um sentimento proibido e ao pecado vivido, nem que fosse apenas por seus pensamentos.


O enredo aborda, ainda, a questão da perseguição sofrida pelos cristãos-novos, a polêmica da Bíblia traduzida, a luta do catolicismo para com os protestantes, que obtinham, cada vez mais fieis. A Inquisição, como ponto central ao final da peça é apresentada da forma cruel, como sabemos que foi; as falas dos inquisidores e do padre, injustas e contraditórias, lembra discursos de ódio hoje presenciados nas redes sociais e falas de conservadores ditos cristãos e seguidores de uma figura tolerante e compassiva, como fora descrito Jesus Cristo.

A edição da Bertrand, como todas as que li até o momento, está impecável, as capas seguem um padrão de ilustrações que me fascina, e o cuidado em manter as notas do autor, um prefácio bem escrito que nos abre para a escrita de Dias Gomes, também são diferenciais na edição. O Santo Inquérito pode ser lido em apenas um dia, uma tarde, algumas horas, assim como suas outras peças, mas a qualidade do conteúdo que sua obra carrega é inesquecível, assim como seus personagens, bem construídos e marcantes. Para quem não conhece o teatro brasileiro, Dias Gomes é uma indicação perfeita.

01 agosto 2018

Resenha - A Guerra dos FAE - Nova Ordem Mundial

Título: Nova Ordem Mundial - Guerra dos FAE #4
Original: New Word Order
Autor (a): Elle Casey
Editora: Geração Editorial
Sinopse: Quarto e último capítulo de uma série surpreendente de aventura e magia e agora? Como enfrentar a necessidade de sacrifícios de uma Nova Ordem Mundial para os Fae?
Jayne e seus amigos estão numa encruzilhada, tendo que enfrentar a batalha final que decidirá a formação da nova ordem exigida pelo mundo sempre em guerra entre os Fae da Luz e da Escuridão.
Jayne se encontra numa encruzilhada não somente no terreno da estratégia e da magia, mas também do coração, que está dividido entre seu anjo da guarda e seu amigo elemental, Chase e Spike. Acontecimentos inesperados darão um toque surpreendente de romantismo e lágrimas neste último volume da Guerra dos Fae.
Surpresas após surpresas são mantidas até o final, que será ainda mais surpreendente para os fãs da insolente e destemida Jayne. E estão de volta o bom humor com o duende Tim e suas palhaçadas, bem como todos os perigos de um mundo onde de cada personagem ou situação pode brotar uma revelação inesperada, exigindo novas lutas e difíceis adaptações.
O mundo de aventuras de Elle Casey em A Guerra dos Fae tem aqui um encerramento apoteótico e brilhante.

Último e quarto livro da série de fantasia de Elle Casey e eu não podia mais esperar a leitura desse desfecho. Acompanhei, desde a época de parceria com a Geração Editorial, o lançamento aqui no Brasil de seus livros e me encantei logo de primeira com o universo e personagens criados pela autora.

Jayne, nossa protagonista, continua uma boca suja, afrontosa, mas agora dividida, sentimentalmente, por dois rapazes que chamaram sua atenção e ganharam sua afeição. Um demônio, misterioso, calado, mas que fora pixielizado por seu amigo duente Tim, e o outro, súcubo, sexy e descabido em suas ações, mas que não estava à procura de nada sério com ninguém, devido a sua natureza. Porém, essa trama é apenas a pontinha de todo o drama que o quarto livro da série perpassa.

Os fae da luz e trevas continuam em seu embate, mas agora surgem orcs, seres de outro mundo que não do Aqui e Agora, os quais não deveriam estar em terreno humano, e agora, Jayne e seus amigos precisam combatê-lo, além de desvendar inúmeros segredos que rondam o complexo dos fae e o sumiço de dois amigos na última batalha travada que esteve com eles.

Elle Casey mescla, novamente, drama, aventura, romance e muito humor. É preciso enfatizar a amizade de Jayne e Tim, seu minúsculo duende que vive em seu ombro após ter suas asas cortadas. O humor ácido nas conversas entre os dois quebra toda a tensão que os personagens vivem sob os mistérios de suas rotinas como fae. Novamente, o universo criado pela autora deslumbra, por conta dos detalhes referentes aos seres sobrenaturais, às conversas, às histórias de origem de cada um. Até esquecemos que estamos lendo sobre crianças, principalmente quando pensamos em Jayne, tão amadurecida em seus poderes nesse último livro.
Porém, um dos fatos negativos sobre o desfecho que a autora escreveu foi a falta de ação ao final. Não sei se porque estou acostumada com séries que finalizam após uma grande batalha/guerra entre grupos antagônicos para depois obterem seu final feliz, mas senti muito a falta de cenas de ação nesse último livro. Muito se esclareceu, mas algumas pontas soltas permaneceram no ar. Acho que o quarto não deveria, ainda, ser o final da série, mas um quinto livro, com muito mais adrenalina e tensão entre os personagens, juntamente a alguns questionamentos esclarecidos, poderia ser um desfecho perfeito para a saga.

Outro ponto é uma ação importante, mas um tanto questionável, para o desfecho da protagonista. Foi criticada por alguns leitores, mas talvez não tenha sido intenção da autora trazer essa visão antiquada para sua trama, se levarmos em consideração a explicação que traz na obra. As mudanças ao final do enredo foram um tanto bruscas, principalmente por Jayne ter sido construída como alguém tão teimosa e decidida em suas opiniões.

No entanto, a escrita da autora cativa, bem como sua personagem, mesmo que muito infantil em algumas partes, é preciso discernir que ainda se trata de uma criança/adolescente e que tais ações são características dela mesmo. 
A edição da Geração está muito boa, as capas são lindas, mas, infelizmente, a série ainda contém mais 4 volumes lançados no exterior, mas para os brasileiros, essa foi a última lançada pela editora.

Leia a resenha dos três outros livros da série: #1 - #2 - #3
Alguns e-book's da série estão grátis na Amazon pelo Kindle Unlimited, adquira pelos links: #1 - #2 - #3 - #4

02 maio 2018

Resenha - No seu pescoço

Nome: No seu pescoço
Original: The Thing Around Your Neck
Autor (a): Chimamanda Ngozi Adichie
Editora: Cia das Letras
Sinopse: A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie vem conquistando um público cada vez maior, tanto no Brasil como fora dele. Em 2007, seu romance Meio sol amarelo venceu o National Book Critics Circle Award e o Orange Prize de ficção, mas foi com o romance seguinte, Americanah, que ela atingiu o volume de leitores que a alavancou para o topo das listas de mais vendidos dos Estados Unidos, onde vive atualmente. Ao trabalho de ficcionista, somou-se a expressiva e incontornável militância da autora em favor da igualdade de gêneros e raça. Agora é a vez de os leitores brasileiros conhecerem a face de contista dessa grande autora já consagrada pelas formas do romance e do ensaio. Publicado em inglês em 2009, No seu pescoço contém todos os elementos que fazem de Adichie uma das principais escritoras contemporâneas. Nos doze contos que compõem o volume, encontramos a sensibilidade da autora voltada para a temática da imigração, da desigualdade racial, dos conflitos religiosos e das relações familiares. Combinando técnicas da narrativa convencional com experimentalismo, como no conto que dá nome ao livro — escrito em segunda pessoa —, Adichie parte da perspectiva do indivíduo para atingir o universal que há em cada um de nós e, com isso, proporciona a seus leitores a experiência da empatia, bem escassa em nossos tempos.

No seu pescoço foi o segundo livro de Chimamanda Ngozi Adichie que tive o prazer de ler. Diferente de Hibisco Roxo, o presente livro é um compilado de contos da autora, ambientados em diferentes espaços, tratando sobre diferentes personagens, com histórias bem diversas uma da outra.

A escrita da autora não deixa a desejar, novamente. De descrições relevantes, em primeira ou terceira pessoa, a autora mescla uma escrita simples, clara, com passagens muito bem construídas, poéticas e imagéticas, algumas vezes. Mas o que mais chama atenção em suas narrativas são seus personagens e as tramas que os envolvem. Sempre muito marcantes, muito bem construídas em torno da cultura nigeriana, Chimamanda retrata, sob diferentes nuances, perspectivas sobre a vida de mulheres que permanecem em seus locais de origem ou migram para os Estados Unidos, um percurso comum nos casamentos arranjados narrados pela autora.

Os conflitos são muitos. Entre família, religião, cultura, identidade. A autora também destina seus escritos para retratar conflitos políticos, os quais modificam toda uma vida descrita em alguns dos seus contos, envolvendo mortes, desesperança, mudanças de perspectivas sobre a vida.
Descrever tão profundamente, em poucas páginas, sobre aquelas vidas e histórias, e comover seu leitor com elas, não é para qualquer um. Chimamanda consegue imprimir sua identidade como autora porta-voz de uma nação, de uma cultura, politicamente voltada para determinadas parcelas da população, mas suas histórias podem, e muito, nos fornecer um processo de identificação com suas histórias, em questões mais amplas, universais, inerentes a todos nós.

Em No seu pescoço é evidente, em quase todos os finais, o “deixar para trás”, o “dar de costas” das protagonistas perante uma situação que elas não suportavam mais. Interessante esse movimento, de quebra de um status quo, aparentemente sem saída, mas que o abandono torna-se o único modo de escape da situação. Isso ocorre em tramas com dramas familiares, principalmente.
Não me detive em descrever e opinar sobre cada conto, mas espero ter passado, pelo menos um pouco, das impressões tão boas que tive ao ler essa obra. Chimamanda Ngozi com certeza ganhou um espaço em minha estante e em meu coração de leitora, pelas suas tramas e por seus personagens tão marcantes.

04 abril 2018

Resenha - Olhos D'água

Nome: Olhos D'água
Autor (a): Conceição Evaristo
Editora: Pallas/FBN
Sinopse: Em "Olhos d’água" Conceição Evaristo ajusta o foco de seu interesse na população afro-brasileira abordando, sem meias palavras, a pobreza e a violência urbana que a acometem.
Sem sentimentalismos, mas sempre incorporando a tessitura poética à ficção, seus contos apresentam uma significativa galeria de mulheres: Ana Davenga, a mendiga Duzu-Querença, Natalina, Luamanda, Cida, a menina Zaíta. Ou serão todas a mesma mulher, captada e recriada no caleidoscópio da literatura em variados instantâneos da vida? Elas diferem em idade e em conjunturas de experiências, mas compartilham da mesma vida de ferro, equilibrando-se na “frágil vara” que, lemos no conto “O Cooper de Cida”, é a “corda bamba do tempo”.
Em "Olhos d’água" estão presentes mães, muitas mães. E também filhas, avós, amantes, homens e mulheres – todos evocados em seus vínculos e dilemas sociais, sexuais, existenciais, numa pluralidade e vulnerabilidade que constituem a humana condição. Sem quaisquer idealizações, são aqui recriadas com firmeza e talento as duras condições enfrentadas pela comunidade afro-brasileira.
Olhos D’água é datado de 2003 e foi escrito por Conceição Evaristo, autora que tomei conhecimento apenas no último ano. O livro de contos carrega uma escrita crua, bruta, com enredos e personagens tão próximos do real, tão significativos para uma certa realidade brasileira, negra, pobre, de favela, que muitas vezes conhecemos apenas de vista, dos noticiários nos jornais ou por filmes.

Conceição Evaristo traz em sua obra uma realidade que apenas o não-privilegiados conhecem de perto. Seus personagens e tramas são muito bem construídos a partir do que é vivido, todos os dias, em diferentes localidades brasileiras, por mulheres, homens e crianças, pobres e negros. A autora traz um protagonismo o qual não havia presenciado antes, não nos livros canônicos, escritos por homens ou mulheres brancas, da classe burguesa, pertencentes a uma classe erudita, que se limita a nos oferecer um olhar distanciado e meio parco sobre determinadas camadas populacionais. Conceição Evaristo não. Mulher, negra, relata histórias muito bem embasadas no real, porém, reescreve suas histórias com um lirismo e sutileza que não havia lido antes.

Ao retratar sobre morte, perdas, filhos, crenças, amor e paixão, a autora universaliza seu discurso literário para qualquer leitor identificar-se, porém com o diferencial de ambientar suas histórias a um protagonismo não muito comum em nossas leituras canônicas. Seu olhar é diferenciado para com esses personagens, é presenciado um carinho, uma sutileza nas descrições, um respeito para com as crenças de culturas que foram deixadas de lado. Ao mesmo tempo que universaliza sua escrita, Conceição Evaristo a particulariza, nos proporcionando uma leitura densa e melancólica, pois mesmo com um lirismo tão belo, suas histórias não deixam de carregar cenas tristes e finais não tão felizes.

No mais, não quero me deter na descrição de cada conto, mas é preciso enfatizar a mistura de pequenas histórias, rápidas tramas que nos conduzem sempre a reflexões grandiosas sobre a vida, sobre o outro, sobre nós mesmos. Como primeira leitura da autora, a obra não me decepcionou, pelo contrário, surpreendeu no trato com as palavras, na descrição de histórias tão próximas a quem está inserido em locais desprivilegiados e a pessoas que facilmente identifico ao meu redor.

Para saber um pouco mais sobre os contos: Resenha no Jornal Rascunho.

11 julho 2017

Resenha - Pesadelos Infaustos

Nome: Pesadelos Infaustos
Autor (a): Breno Torres
Editora: Arwen
Sinopse: Nevoeiros povoam as utopias e cotidianos das infaustas criaturas dos mundos desde as remotas eras. Caminhando no tênue limiar entre pesadelos e triunfos, os peregrinos dos universos, em suas eternas buscas por conquistas e glórias, confrontam os enredos obscuros que Algo ou Alguém – Deus? – tece para cada um de seus passos, deparando-se com as sombras, melancolias e temores inevitavelmente encontrados no caminho. O que de profano, ultrarromântico, caótico e celestial ecoa nas narrativas dos andarilhos dos mundos? Há espaço para a contraditória natureza angélica e demoníaca do ser? Há salvação para os mais miseráveis e condenados errantes das raças?

Escrever sobre o sonho de alguém nunca será uma tarefa fácil. Ao me deparar com o livro de um conhecido querido, logo viabilizei a aquisição e ao ler, pude constatar o quão bom o trabalho de Breno Torres foi, é e continuará sendo.

Pesadelos Infaustos trata de uma compilação de contos de terror/suspense, com elementos sobrenaturais e humanos, que carregam a tradição de autores que o inspiram, como Anne Rice. Perceptível é a influência que o autor teve no processo de escrita desse livro. Aqui, temos vampiros, fadas, bruxas e lobisomens vivendo histórias marcantes e muito bem descritas.

Não gostaria de me prolongar ao descrever cada conto presente no livro, porém, preciso enfatizar o quanto cada um deles, pela forma que foi escrito, ficou na memória após a leitura. A narrativa do padre e sua filha bruxa, a tragédia do animal contido dentro do humano, a fascinação pelo mundo vampiresco, lembrando tanto as histórias de Anne Rice foram alguns dos contos que emergem da memória ao relembrar a leitura da obra.
A escrita de Breno Torres é descritiva, poética e carregada de influências do fantástico literário, da música pop e de leituras contemporâneas. Em alguns pontos peca por cenas, acredito eu, desnecessárias ao enredo, provavelmente com intenções de chocar através do erotismo e diálogos um tanto chulos ou prolixos. Mas nada que impeça o deleite das narrativas instigantes que o autor traz ao seu livro.

A obra ainda traz uma diagramação muito bem elaborada, aos moldes da temática de suspense/terror das narrativas e em cada início de capítulo, há um trecho de uma música, que, acredito ser integrante do repertório do autor.

Com personagens bem elaborados, honrando a tradição dos clássicos sobrenaturais, Pesadelos Infaustos é um prato cheio para quem ama o gênero terror/suspense com uma escrita especialmente elaborada e poética.

24 maio 2017

Resenha - Um Amor Incômodo

Nome: Um Amor Incômodo
Original: L'amore molesto
Autor (a): Elena Ferrante
Editora: Intrínseca
Sinopse:Aos quarenta e cinco anos, Delia retorna a sua cidade natal, Nápoles, na Itália, para enterrar a mãe, Amalia, encontrada morta numa praia em circunstâncias suspeitas: a humilde costureira, que se acostumou a esconder a beleza com peças simples e sem graça, usava nada além de um sutiã caro no momento da morte.
Revelações perturbadoras a respeito dos últimos dias de Amalia impelem Delia a descobrir a verdade por trás do trágico acontecimento. Avançando pelas ruas caóticas e sufocantes de sua infância, a filha vai confrontar os três homens que figuraram de forma proeminente no passado de sua mãe: o irmão irascível de Amalia, conhecido por lançar insultos indistintamente a conhecidos e estranhos; o ex-marido, pai de Delia, um pintor medíocre que não se importava em desrespeitar a esposa em público; e Caserta, uma figura sombria e lasciva, cujo casamento nunca o impediu de cortejar outras mulheres.
Na mistura desorientadora de fantasia e realidade suscitada pelas emoções que vêm à tona dessa investigação, Delia se vê obrigada a reviver um passado cuja crueza ganha contornos vívidos na prosa elegante de Elena Ferrante.

Um Amor Incômodo foi o primeiro livro da Elena Ferrante que li. E o título não poderia ter feito mais jus à minha primeira experiência para com a autora, foi uma leitura incômoda.

A história é sobre Delia e a recente morte misteriosa de sua mãe. Amalia morreu no mar, vestida apenas com um sutiã que não fazia muito o estilo de roupas que ela usaria. Sua filha ao mesmo tempo que lamenta essa perda, sente-se um pouco aliviada. Como ela poderia sentir-se dessa forma em relação à morte de sua própria mãe? Ao longo da narrativa iremos descobrir o relacionamento estranho e conturbado entre elas.

No decorrer dos capítulos entramos em contato com outros personagens, importantes para compreender a história de Delia e Amalia. É preciso deixar claro que a história da protagonista perpassa em absolutamente tudo a história de sua mãe. Caserta seria o possível atual namorado de Amalia, uma paixão antiga que conturbou e muito o relacionamento dela com o pai de Delia. Este extremamente ciumento e agressivo, maltratou e muito Amalia, e mesmo após mais de 20 anos separados, ele continuava a assombrar a vida da senhora.


Eu citei anteriormente o quanto essa leitura foi incômoda para mim, fazendo um trocadilho com o título da obra e irei explicar os motivos. A escrita de Elena Ferrante, neste livro, é confusa e prolixa, um dos motivos para a leitura não fluir tão bem a leitura, porém a história em si foi o que mais me incomodou. Caótica em algumas partes, as cenas de conflito, pela perspectiva de Delia quando criança, entre seus pais, com a violência verbal e física sofrida pela sua mãe, foi angustiante de ler. A autora aqui traz um ponto forte: retratar a violência dos homens contra mulheres de uma forma bem próxima do real, sem idealismos e com forte crítica social. Mas acredito que ler tais cenas só incomodou mais por eu também ter vivenciado um ambiente como esse, quando pequena. Não com o mesmo nível de violência, porém tenso e conflitante como Delia viveu quando criança. A leitura então se tornou algo pessoal, revivendo episódios traumáticos e extremamente conflitantes na cabeça de uma criança.

Ser uma leitura que incomoda é algo positivo, pois a autora soube sensibilizar seu leitor. Porém, a obra é cheia de cenas desnecessárias, ao meu ver. E a escrita é caótica, como citei anteriormente, mas não de uma forma que perpasse em nossa leitura a ideia de fluxo de consciência, mas simplesmente confusa. Ao ler as cenas muito bem descritas pela autora, imaginei cenas confusas de um filme, pelas descrições imagéticas e bem detalhadas, porém, nem sempre foi algo que agradou pelas "quebras" da narrativa.

Por fim, como primeira leitura de Elena Ferrante - tão bem falada em canais e blogs literários atualmente - preciso de outra experiência para firmar alguma opinião sobre a autora e seus escritos. Um Amor Incômodo não cativou minha atenção ou meu gosto, mas espero ter outras oportunidades de leitura da autora.

17 maio 2017

Resenha - Um Teto Todo Seu

Nome: Um Teto Todo Seu
Original: A Room of One's Own
Autor (a): Virginia Woolf
Editora: Tordesilhas
Sinopse: Baseado em palestras proferidas por Virginia Woolf nas faculdades de Newham e Girton em 1928, o ensaio Um teto todo seu é uma reflexão acerca das condições sociais da mulher e a sua influência na produção literária feminina. A escritora pontua em que medida a posição que a mulher ocupa na sociedade acarreta dificuldades para a expressão livre de seu pensamento, para que essa expressão seja transformada em uma escrita sem sujeição e, finalmente, para que essa escrita seja recebida com consideração, em vez da indiferença comumente reservada à escrita feminina na época. Imaginando, por exemplo, qual seria a trajetória da irmã de Shakespeare – caso o famoso escritor tivesse uma e ela fosse tão talentosa quanto o irmão –, Woolf descortina ao leitor um cenário em que as mulheres dispunham de menos recursos financeiros que os homens e reduzido prestígio intelectual. Será que à irmã de Shakespeare seria dada a mesma possibilidade de trabalhar com seu potencial criativo? Como o papel social destinado aos dois sexos interfere no desenvolvimento (ou na falta) de uma habilidade nata? Virginia mostra como, na época, a elaboração da competência de uma pessoa dependia de seu sexo, uma vez que a sociedade reservava aos homens e às mulheres papéis, atribuições e concessões bastante distintas. A maioria das mulheres não dispunha da liberdade e da privacidade necessárias para ter um lugar próprio para refletir e laborar na escrita. Daí a afirmação da escritora de que“uma mulher precisa ter dinheiro e um teto todo seu se quiser escrever ficção”. Uma mulher precisa ter condições financeiras e espaço para pôr-se a contemplar suas ideias e colocá-las no papel. Com a linguagem original e a fluidez de pensamentos que lhe são características, Woolf aponta neste ensaio um padrão duplo presente na sociedade, segundo o qual os homens eram estimulados a aprimorar suas habilidades criativas enquanto às mulheres era reservado um papel de sujeição. Esta edição traz, além do ensaio, uma seleção de trechos dos diários de Virginia, uma cronologia da vida e da obra da autora e um posfácio escrito pela crítica literária e colaboradora da Folha de S. Paulo Noemi Jaffe.

Já conhecia este livro de ensaios da Virginia Woolf por muitos comentários bons relacionados a ele e perfis o mencionando como leitura atual. Mal pude esperar para realizar sua leitura quando o adquiri em uma promoção na livraria virtual Amazon e a leitura foi um tanto inesperada.

Virginia se propõe a discutir o papel da mulher na ficção em palestras que originaram esse livro e primeiro irá contar, a partir da experiência de uma personagem que cria, uma ensaísta, a visita a uma universidade de prestígio, nos expondo, inicialmente, as limitações de uma mulher naquela universidade, que a repreende por andar na grama (um guarda a chama atenção por seu caminhar indevido), fecha as portas para a sua entrada na Biblioteca (o local era proibido para mulheres) e a serve comida "sem graça" (no refeitório só para mulheres). Dessa forma, Virginia irá realizar comparações a partir do que nos descreve em seus primeiros relatos.

Não sendo nada convencional, ao se tratar de um ensaio, a autora escreve, a partir de sua escrita singular, com passagens interrompidas por regressões de pensamento, de forma a ir além do escrito ensaístico, com opiniões próprias e dados relevantes ao tema, ao nos tentar explicar o papel da mulher na ficção. E faz isso de forma brilhante. Desenvolve uma tese de que para a mulher estar inscrita na ficção, ela precisa de um teto todo seu e uma renda fixa mensal para poder desenvolver sua escrita de forma magistral. 
A autora ainda traz um vislumbre da vida de algumas autoras hoje conhecidas, como Charlotte Brontë, Emily Brontë, Jane Austen e George Eliot. Trazendo seu panorama desde o século XVIII, Virginia nos esclarece muito de como a mulher está inscrita na ficção e escreve sobre isso muito em comparação ao outro sexo, o qual não poderia deixar de lado, pois nossas vidas são rodeadas por eles, os homens.

A autora também desmistifica a ideia de escrever literatura como sendo algo proveniente da simples e pura inspiração, mas sim como um trabalho com as palavras, algo árduo, que necessita de muitas leituras, estudo, tempo e dinheiro para investir nisso.

É uma escrita empoderada, numa época em que já poderíamos vislumbrar essa palavra em meio a movimentos sociais e discursos de diferentes mulheres, como o dela.
Confesso que não concordei em alguns pontos da autora em determinadas passagens, porém, no geral, o livro nos dá muito um vislumbre do quanto a produção feminina na literatura ainda precisa crescer, envolvendo não só as questões literárias, subjetivas, mas sociais, políticas e financeiras.

01 maio 2017

Resenha - Mosquitolândia

Título: Mosquitolândia
Título original: Mosquitoland
Autor (a): David Arnold
Editora: Intrínseca
Sinopse: “Meu nome é Mary Iris Malone, e eu não estou nada bem.” Após o inesperado divórcio dos pais, Mim Malone é arrastada de sua casa em Ohio para o árido Missis - sippi, onde passa a morar com o pai e a madrasta e a ser medicada contra a própria vontade. Porém, antes mesmo de a poeira da mudança baixar, ela descobre que a mãe está doente. Mim foge de sua nova vida e embarca em um ônibus com destino a seu verdadeiro lugar, o lar de sua mãe, e acaba encontrando alguns companheiros de viagem muito interessantes pelo caminho. Quando a jornada de mais de mil quilômetros toma rumos inesperados, ela precisa confrontar os próprios demô- nios e redefinir seus conceitos de amor, lealdade e sanidade. Com uma narrativa caleidoscópica e inesquecível, Mosquitolândia é uma odisseia contemporânea, uma história sobre as dificuldades do dia a dia e o que fazemos para enfrentá-las.

Eu ganhei esse livro de sorteio no Skoob (coisa rara, eu sei) há muito tempo atrás e somente agora pude ter a oportunidade de lê-lo. Depois de muito tempo sem ler um Young Adult (posso classificar ele assim?), me peguei cativada pela história, por Mary Iris Malone e por Walt e Beck.

A história é sobre Mim fugindo da escola após uma advertência do diretor e indo ao encontro de sua mãe que está em outra cidade, Cleveland. Ela furta o dinheiro de sua madrasta, junta algumas camisas e comida na sua mochila e parte para a sua aventura, sozinha e ansiosa para reencontrar a mãe que não envia cartas há três semanas. Após encontrar, na caixa de Halls que estava com o dinheiro, uma carta de sua mãe pedindo ajuda à sua madrasta, Mim liga os pontos e acredita que foi afastada de propósito de sua progenitora e agora, mais do que nunca, com a ideia de sua mãe estar doente também, a menina precisa chegar até ela.

A história me surpreendeu por não se tratar de algo superficial ou mais do mesmo que eu pensei encontrar nesse livro. Mim não se sente nada bem em Mosquitolândia, mais conhecida por Mississipi, a cidade onde mora, por conta do afastamento de sua mãe, o recente casamento de seu pai, e o próprio comportamento dele para com ela. Nada fica muito claro por meio da voz de Mim, mas aos poucos compreendemos que ela, assim como sua mãe, tem problemas que necessitam de uma dose de medicamento, recomendada por um médico de confiança de seu pai. Ela escreve cartas para uma Isabel, contando os motivos dessa repentina e louca viagem para encontrar sua mãe e vamos compreendemos quem é  Mim e o que faz dela ser quem é aos poucos.
De personalidade intrigante e única, a nossa protagonista cativa do começo ao fim. Com o surgimento de outros personagens, como Walt, um garoto com síndrome de Down que a ajuda em uma de suas paradas em sua road trip e Beck, o garoto da poltrona 17C do ônibus que Mim estava, a história fica ainda mais intrigante.

Narrando sobre dramas familiares, comportamento, abuso e a até morte, David Arnold, por meio da voz de Mary Iris Malone, nos traz uma obra singular e nada boba. Uma leitura fácil, não tão rápida (o livro contém um pouco mais de 300 páginas), a road trip de Mim fica na memória dos leitores por sua personalidade instigante, sua história, suas lições de vida e seu final otimista.

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