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11 abril 2024

Resenha - Canção de Ninar Menino Grande

Título: Canção de Ninar Menino Grande

Autora: Conceição Evaristo

Onde comprar: Livrarias locais e Amazon

Sinopse: Trata-se de um mosaico afetuoso de experiências negras, um canto amoroso e dolorido. Na figura do personagem Fio Jasmim, Conceição discute com maestria as contradições e complexidades em torno da masculinidade de homens negros e os efeitos nas relações com as mulheres negras. O livro é um mergulho na poética da escrevivência e ao mesmo tempo um tributo ao amor sob uma ótica poucas vezes vista na literatura brasileira.

Leda Maria Martins parte da manifestação corporal, religiosa e musical dos congados para inscrever o termo ‘oralitura’ como um conceito específico, baseado em letra e performance, que instaura um sujeito específico no ato de narrar, o qual apresenta fissuras, rasuras da linguagem. Em oralitura, o oral e o escrito não estão em posição de hierarquia, pelo contrário, se confluem, e reconstroem imaginários. É como penso a narrativa de Conceição Evaristo em Canção de Ninar Menino Grande, quando a autora constrói um narrador (ou narradoras, já que no início do texto existem um ‘nós’ presente) que parte da contação de uma personagem inserida na trama: Tina (Juventina) relata a trajetória de Fio Jasmin e das diferentes mulheres pelas quais ele atravessou, como o seu primeiro nome bem potencializa (fio que atravessa, penetra). Fio Jasmin é um maquinista que viaja por diferentes cidades e, em cada uma delas, se relaciona com uma mulher, mesmo sendo noivo e posteriormente casado com Pérola Maria. Cada mulher, entretanto, possui uma visão de Fio e vivencia uma experiência com ele, nem todas se decepcionam pelo seu abandono, outras já possuem final trágico devido a isso, mas Fio Jasmin, sem juízo, continua a atravessar as mulheres, perfumando-as, geminando crianças nelas, e, logo após, indo embora, retornando à Pérola Maria, que finge não saber dos casos e que tem seu como maior prazer a gravidez (foram nove). 


A Fio Jasmin foi negado ser o príncipe encantado na escola em detrimento de uma criança branca e isso o marca fortemente até a vida adulta, além disso, seu pai, Máximo Jasmim (percebam como os nomes indicam tanto) e seus colegas de trabalho reforçam a ideia do homem ‘conquistador’, ‘garanhão’, e que normaliza o ‘abandonar’ das mulheres e dos seus filhos. Pérola Maria é seu porto seguro, assim como Tina será também, ao conhece-la ainda aos 17 anos, enquanto estava com 33, e que estranhamente age de maneira ‘respeitosa’, ao seu ver, pela sua virgindade. 


Em todo o romance (ou novela, como também consideram esta trama), a paixão e o amor estão presentes, sob diferentes nuances, a partir muito mais do olhar das mulheres que se relacionam com Fio Jasmin do que por sua própria voz discursiva. Conceição Evaristo passa brevemente pela ‘masculinidade tóxica’, mas é na confluência e dessemelhança entre as trajetórias das mulheres que ela foca sua escrita, e é brilhante como são construídas as micronarrativas que se entrelaçam por um único fio. 


Algo a se destacar são os nomes presentes nas histórias de Conceição e nesta em específico: Dolores dos Santos, que já carregava antigas dores e mantinha muita desconfiança da sinceridade dos homens, Juventina Maria Perpétua, a Tina, que se modificado o artigo final, torna-se palavra que se refere a juízo, consciência ou virtude para prever perigos, entre outras personagens marcantes no enredo, as quais, acredito eu, são as verdadeiras protagonistas do livro. 


Não posso deixar, no entanto, de expor meu incômodo pela redenção de Fio Jasmin e no quanto me senti incomodada pelas ‘respostas’ a sua conduta devido ao seu passado, pelo esvaziamento de suas responsabilidades ao final da trama. Mas, como penso sobre algumas narrativas literárias, o incômodo pode e deve estar presente, contanto que seja passível de reflexões diferentes e cabíveis para o debate literário. 


Conceição Evaristo em Canção de Ninar Menino Grande nos conduz, pela canção na voz de Tina, a melodias reconhecíveis e não muito distantes do que vivenciamos fora da ficção, mas, de maneira única e muito bem elaborada, revela por meio de uma ficção o que há de mais bonito e potente na literatura: o contato com o humano e com as subjetividades que o rodeia.

20 janeiro 2021

Resenha - Milênio



Título: Milênio

Autora: Bruna Guerreiro

Onde comprar: Amazon

Sinopse: Fabiana e Cássio conheceram-se vinte anos atrás, em 1999. Fabiana e Cássio estão prestes a se encontrar, em 2019. Dentro de poucos minutos. Pela primeira vez. E este é o pior dia da vida dele. Vinte anos atrás, em silêncio e sem alarde, nascera entre os dois aquele amor indevido. Empurrara a terra sobre si para brotar, forte, impositivo, inevitável. A separação tinha sido necessária, a única coisa certa a fazer para que não se afogassem em mentiras e erros. Podaram-se os galhos. As flores feneceram. Mas as raízes, ocultas, ficaram dormentes sob o chão. Vinte anos depois, a vida e a morte se encontram numa encruzilhada do destino de Cássio e Fabiana. A partir desse momento, como anzóis lançados em águas fundas e turvas, os flashbacks capturam e resgatam as memórias desse sentimento, trazendo tudo à tona outra vez. 

Fabiana e Cassio se conheceram em uma sala de bate-papo na internet, lá em 1999, e da amizade inesperada, surgiu uma paixão avassaladora. E proibida. Cassio era casado, deixando isso claro desde o início, porém, quem comanda o coração, em tempos de apaixonamento, se não nosso próprio desejo em continuar em contato com nossa paixão? Porém, depois de sua separação e longos vinte anos, os dois estão prestes a se encontrar.

A narrativa de Bruna Guerreiro prende o leitor do início ao fim. Além de sua escrita impecável, narra uma história de amor, proibido, mas muito bem desenvolvida e tão bem contada que quase não nos damos conta de se tratar de uma traição. Sim, Cassio se apaixona perdidamente por Fabiana e troca mensagens com ela por um longo período, mesmo estando casado, mesmo amando sua esposa. E esse é um dos pontos da narrativa interessantes de serem refletidos: há possibilidade de amar duas pessoas igualmente? Ou, há possibilidade de amar duas pessoas, de maneira distinta, mas ainda assim ser amor? Se ninguém é perfeito, como lidar com a quebra da moralidade e ética em um relacionamento a dois? É o que a autora nos faz pensar em sua narrativa pra lá de apaixonante e emocionante.

Cassio não deixa de ser o mocinho da trama, pois mesmo traindo a confiança de uma relação monogâmica como a que tinha, tenta não cair na tentação do contato físico com Fabiana, pois sabe que, a partir disso, a história entre dois já seria outra. E é difícil não pensar em como isso pode soar conivente com a traição masculina tão presenciada, desde sempre, mas lembremos que também Fabiana se apaixonou, aceitou a condição e fez escolhas, ponderadas e baseadas pelos seus sentimentos, mas nunca deixando de ter autonomia sobre suas decisões.

Não pensem que foi fácil... Fabiana sempre foi muito admirada e respeitada por Cassio, mesmo com muitas inseguranças sobre si. A jovem também não deixa de comportar-se de forma a ultrapassar os limites estabelecidos na relação em que se envolveu, mas não se pode negar o quão torturante deve ser apaixonar-se perdidamente por alguém e não poder tê-lo nos braços. E essa dor pode ser sentida pelo leitor, pois há toda uma empatia construída sobre os dois, sobre o que sentem, sobre suas conversas e segredos compartilhados.

Ao longo da trama, em um vai e vem temporal entre 1999 e 2019, vamos conhecendo melhor Cassio e Fabiana, de maneira individual e na relação entre os dois. Não há como negar as semelhanças e a 'química' envolvente entre duas pessoas diferentes, mas que poderiam ser destinados um ao outro, pelo amor. E mesmo em um relacionamento a distância, ocorrido há 20 anos, o entendimento, a compreensão, o afeto é latente. 

Sabemos que os dois irão se (re)encontrar nos anos 2000 (sim, encontrar, pois nunca se conheceram pessoalmente), mas como irá acontecer e de que forma os dois irão se comportar são as dúvidas que pairam na trama. A expectativa para o encontro é angustiante, pois é grandiosa, e confesso que me senti como uma mocinha de 15 anos, com borboletas no estômago, durante as cenas entre os dois. Como escrito anteriormente, é uma trama que prende o leitor, principalmente se você já gostar muito de romances românticos. A vontade de escrever sobre o final é tentadora, mas vou deixar para a imaginação e desejo de quem lê esta resenha em buscar saber mais.

O livro está em formato e-book, disponível na Amazon, e não há erros a serem apontados. Ainda possui uma trilha sonora perfeita em várias partes, para se ouvir e se deleitar junto às cenas lidas (e são músicas perfeitas para os momentos descritos). Recomendo fortemente aos românticos apaixonados ou aos que desejam se aventurar em um romance romântico profundo. Milênio é de tirar o fôlego.

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