Título: Noites Italianas;
Tradução: Carolina Caires Coelho;
Sinopse: Quanto Kate decidiu abandonar seu passado, em Melbourne, e começar uma jornada para dentro de si mesma, foi para um país reconhecidamente româtico. Enquanto se encantava com as ruínas de Roma e as praças de Nápoles, esperava encontrar - em ruas estrangeiras - sua verdade pessoal. Mas a peregrinação de Kate exigiu coragem. Encontrar o verdadeiro amor, ou, quem sabe, perder-se para sempre de maneira a não ter mais qualquer chance de resgate foram possibilidades reais na Itália... Especialmente para alguém que estava acostumada a viver entre as vielas da escuridão. Em um romântico, mas estranho país, com muitos - alguns bem significativos - casos de amor, e mais algumas noites de sexo sem compromisso, ela vai se perguntar se é, verdadeiramente, um espírito livre, ou uma atriz que decorou tão bem o seu papel de mulher sedutora que já não consegue desvencilhar-se dele...
Noites Italianas foi
uma cortesia da editora Novo Conceito
a qual, assim que saiu o catálogo, meus olhos castanhos logo se arregalaram de
interesse e vontade. Acho que todo mundo aqui sabe como é quando um livro que
faz totalmente a sua cara está ali, disponível para ser pego gratuitamente: o
olhar brilha, a boca sorri, mil e uma ideias de como o enredo e os personagens
devem ser se formam na mente. Aquele livro, que a sinopse dizia contar a
história de uma mulher (a própria Kate Holden) que necessitava sair de seu
lugar natal para reencontrar-se e entender-se após um tempo obscuro de vício em
heroína e de venda do próprio corpo para conseguir manter as dívidas pagas, e
que escolhera justamente a Itália
como o lugar para plano de fundo de sua jornada, soou-me encantadoramente
tentador. Como um bom fã de Comer, Rezar,
Amar (aliás, adianto-lhes: para aqueles que acharam que a história, por se
tratar de uma redescoberta pessoal e situar-se na Itália, é muito igual à
epopeia espiritual de Elizabeth Gilbert: vocês
estão enganados), sou apaixonado por relatos pessoais – livros de memórias
– e principalmente aqueles que têm cunho intimista e introspectivo, e muito
mais apaixonado ainda pelo lugar da linda e bela dolce vita. Quer dizer: o que mais eu poderia querer deste livro,
que parecia ter tudo o que eu queria e mais um pouco?
Mas é
aí que está o ponto: eu não encontrei no livro aquilo que eu pensei encontrar.
Para começar essa discussão opinativa sobre Noites
Italianas, o primeiro choque que encontrei foi que, apesar de ser um livro
de memórias – onde os autores costumam tratar de si mesmos em, obviamente,
primeira pessoa –, Kate Holden fala de si mesma em terceira pessoa. Eu não
cheguei a pensar que tudo poderia desandar por esse fato; confiei na escrita da
autora, e deu certo. O estilo dos relatos de Kate Holden, contados em terceira
pessoa (“Ela”, como quase sempre é referida), deram à autora a margem para ser
tão intensamente poética como conseguiu ser. Noites Italianas é como um enorme poema, que foi desmembrado para
linhas em prosa, o qual manteve seu belo lirismo e seus floreios textuais
próprios de uma linguagem poética. É uma escrita linda, de palavras lindas, de
um tato e uma perícia textual belíssima que, mesmo em momentos carnais, sexuais
ou dolorosos, consegue ser tão sutil quanto um céu noturno italiano.
Momentos
esses os quais, fiquem todos avisados: compõem grande parcela do livro. Para
ser bem franco, acho que em quarenta por cento (se não mais) do livro Kate
Holden está ou fazendo sexo ou pensando em sexo. A personagem tem intrínseca à
sua pessoa a prática sexual, ela gosta
de fazer sexo (e, convenhamos, ela está na Itália).
Tão é forte a questão sexual no texto de Holden que as “Partes” que dividem o
livro levam justamente o nome de pessoas com quem Kate teve algum tipo de
envolvimento carnal na Itália (fora a última, é claro). Porém, ainda que seja
sexo retratado e em algumas vezes as palavras usadas sejam consideradas fortes
demais para alguns, a poesia não se perde; a introspecção menos ainda. É
absurdo, às vezes, a forma com que você parece estar dentro de Kate Holden. É
como se você estivesse lendo sua pele, sua carne, não suas palavras. E o mais
curioso de tudo é que a autora não se vale de irreverentes e complicadas
discussões filosóficas para alcançar o seu interior: ela é simplória, mas numa
narração rica e uma veia interminavelmente poética.
É
corajosa, Holden. Acho que o fato de abandonar tudo o que se tem, todo o
conforto, para buscar a si próprio, já é um grande fator que demonstra bravura,
porém é perceptível o quão baqueada sentimentalmente esta mulher se encontra
nas páginas do livro. Holden tem bravura não só por buscar novos horizontes
longe de tudo o que tem, não só por tentar reconstruir sua vida após uma
enxurrada de momentos ruins perpassarem por seus caminhos, mas também por ser
ela mesma. Kate Holden é uma mulher complicada, sinceramente meio doidona, às
vezes permissiva demais, às vezes submissa demais, entregue demais. Cheguei a
momentos do livro em que olhei para aquilo que lia e realmente disse pra mim
mesmo: “Gente, como ela pode fazer isso?
Como ela se permite?” – entretanto, sabe aquele tipo de personagem que, mesmo
fazendo tanta bobagem, algumas coisas as quais você não concorda, você não
consegue deixar de amar? Não há como não amar a – essa talvez seja a frase mais
clichê de todos os tempos, mas é verdade – complicada e perfeitinha Kate
Holden. Ela é incrível, e eu realmente gostaria de ser amigo dela.
E, ah,
e a Itália?... Eu sou suspeito para falar desse lugar, é claro: todo mundo que
me conhece sabe que sou perdidamente apaixonado por tudo que é italiano – da
arquitetura à gastronomia (com ênfase na última, é claro). Conheço muito da
Itália: estudo muito sobre. Eu já me considerava um perfeito fã desse país, mas
lá me veio Kate Holden também me causando isto: mais paixão e amor por este
lugar. Talvez uma das coisas mais lindas que existam nesse livro seja assistir
a Itália, e seu dia-a-dia, e sua arquitetura, e suas pessoas, e suas
construções, e sua comida, pelos olhos poéticos de Holden. Sua descrição sobre
o lugar é apaixonante, linda, de uma poesia sedutora (faz você querer conhecer
aqueles lugares) e suave. Vale realmente a pena conferir.
Já
quanto ao final, é um bom final. Os acontecimentos que levaram ao fim foram os
mais tristes do livro, sem dúvidas, quanto à questão sentimental. O sentimental
torna-se palpável nos últimos momentos, porém não meloso e chato (não caberia
num livro e numa escrita tão madura algo assim; ao menos não de forma
exagerada), e culmina em algo que é realmente já esperado da narrativa. Não é
um final de reviravolta épica; é um final simples, calmo. Não tão bonito, porém
libertador. Posso afirmar sem sombra de dúvidas que tem um dos finais mais
reticentes que já li – e, por isso, um dos mais completos.
Noites Italianas é um
livro que superou todas as minhas expectativas, e que fez em mim marcas
bastante profundas. Algumas doloridas, mas edificantes – todas elas. De
qualidade, de poesia, de introspecção, e de busca de si mesmo: um lindo livro.
Que vale a pena ser lido com o mais bondoso e compreensivo dos olhares
literários.