01
out
2020
01 outubro 2020

Resenha - Heróis involuntários

Título: Heróis Involuntários
Autora: Camila Pelegrini
Editora: Delirium
Onde comprar: Delirium Editora Sinopse: Poderia existir moralidade em se preocupar com vidas animais quando tantas humanas padeciam? Poderia existir sentido? Poderia existir um limite para a compaixão que se pode possuir? A resposta talvez não seja óbvia, porque a pergunta tampouco é. Uma jovem, solitária e amedrontada enfermeira. Um jovem, ferido e assustado pássaro. Um encontro que poderia carecer de significado, mas que acabou mudando vidas. A da ave. A de Madison. E a de tantos animais que cruzaram seu caminho a partir de então. Este é o relato de uma mulher que se arriscou ao enxergar o invisível. É a confissão de uma mulher que ousou agir movida por suas próprias convicções. É a história de alguém que teve dúvidas, conquanto humana, mas que seguiu mesmo assim, pois é isso o que mulheres fazem. O drama de alguém que não salvou “apenas” animais. O drama de alguém que salvou vidas.

Heróis Involuntários é de autoria da Camila Pellegrini, a responsável pelo selo editorial da Delirium: Inspirium, um selo destinado a publicações de autoras mulheres e que é, além de necessário no mercado editorial brasileiro, muito significativo, para autoras contemporâneas ou não. A Camila é autora de vários títulos, além de já ter publicado contos em algumas antologias. Conhecer sua escrita, além do seu trabalho belíssimo na editora, foi mais do que especial.

O livro narra a história de uma enfermeira durante a Segunda Guerra Mundial, na Inglaterra, que inicia sua trajetória com os animais após o resgate de um gato ferido. O gatinho perdeu suas duas patas traseiras e a protagonista o encontra em estado grave em meio à cidade caótica. Mesmo assim, ela consegue salvá-lo e pela primeira vez vive uma experiência com bichanos, em que ele se torna seu alento, nesse período tão cruel e turbulento. 

A enfermeira continua salvando homens, indo ao hospital de guerra para cumprir seu dever, porém, seu trabalho também se volta para os animais, cavalos, cachorros, gatos, passarinhos... Todos que encontra no meio do seu caminho e aos arredores de sua casa, no trajeto casa-trabalho, ela tenta salvá-los ou tratá-los, para garantir talvez um sofrimento menor a eles.

Por meio dessa história, conhecemos a dimensão da problemática sobre o tratamento que a humanidade forneceu aos animais. Cachorros, gatos e até morcegos foram utilizados no período histórica da narrativa, como tentativa de os transformarem em armas, destinadas a matar/ferir os inimigos de guerra. E claro, o resultado não seria outro se não uma matança de bichos, principalmente de cachorros, sem nenhum toque de compaixão ou preocupação com a vida desses seres.

A história de Camila e sua enfermeira dedicada aos animais é tocante e sensível, mas não menos angustiante. As cenas de guerra entremeadas com as cenas no lar da protagonista, ela e seu gato, com descrições tão verossímeis no narrar do afeto e carinho que o bichinho nos proporciona, são duas das grandes qualidades que a narrativa de Camila possui. Para quem tem o amor pelos animais, especificamente por gatos, a identificação com a trama é inevitável. E muito bela.

Porém, mesmo com todo o cenário caótico e todas as maldades descritas que possuem um pano de fundo baseado em histórias reais, o final da trama ainda me proporcionou uma sensação de esperança. Não pelo que aconteceu com os bichinhos, mas pela resistência de Madison, nossa enfermeira cheia de bravura, que resistiu, até o último momento da trama, em salvar os animais, e que não desistiu do seu propósito. Pessoas como essas existem na vida real, são elas que nos proporcionam esperança, e ao conhecer a autora, igualmente defensora dos bichanos, tão dedicada aos seus, vi muito dela nessa protagonista, o que não deixou de tirar toda a magia de sua história ficcional, pelo contrário, a leitura possuiu uma simbologia muito mais significativa.

A edição da Delirium está muito boa. Contém pinturas/ilustrações de Flávio Pereira, o fundador da Delirium, autor e ilustrador talentoso, além de estudos sobre a época. A obra possui uma lista de referências estudadas pela autora, que proporciona ao leitor outras leituras sobre o tema. Afora alguns errinhos de revisão textual (pouquíssimos), a edição está belíssima. Recomendo fortemente.

08
set
2020
08 setembro 2020

Entrevista com o autor: Daniel Prestes


Hoje temos mais uma entrevista com o autor, agora de um novo parceiro do blog, além de amigo da vida acadêmica e pessoal. Daniel Prestes é crítico literário, mestre em Letras e autor paraense. Recentemente lançou seu mais novo conto na plataforma Amazon: Nunca mais Café, o qual teve leitura já resenhada no perfil do Instagram do blog (post exclusivo por lá). Hoje vamos conhecer um pouco mais sobre ele e sua produção.

Uma breve apresentação sobre quem é você, o que faz, sua formação, o que te inspira:

Eu sou graduado em Letras - Língua Portuguesa e Mestre em Letras pela Universidade Federal do Pará. Pesquiso recepção de prosa de ficção feita por leitores na internet, especificamente no Youtube. Não sei dizer se há algo específico que me inspira. Geralmente eu tenho ideias a partir de coisas cotidianas com as quais acabo fazendo algum tipo de relação ou conexão. Quando essas ideias acabam sendo fortes o suficiente pra me fazer ficar ruminando, acabo escrevendo. Propostas de exercícios de escrita ou editais com temas também ajudam a essas ideias aparecerem.

Quando iniciou tua paixão pela Literatura?

Paixão, não sei se atualmente eu descreveria o meu sentimento dessa maneira. Já fui um leitor muito mais agressivo e voraz, porém hoje em dia estou mais calmo. A paixão ficou nesse tempo da voracidade. Eu comecei a ler criança mesmo, sempre tive muitos gibis da turma da Mônica. Minha mãe sempre comprava eles e os almanacões de férias. Na escola em que estudei a maior parte da minha vida, em São Paulo (onde nasci), sempre pedia livros paradidáticos. Fora que eu também tinha muito tempo livre, porque fora os amigos da escola, não tinha mais pessoas próximas com a mesma faixa etária. Eu sou o primo mais novo dos primos mais velhos, que são em sua maioria mulheres. Só que nessa época eu não lia tanto livros, eram mais revistas mesmo. Quando me mudei para Altamira, comprei o primeiro livro de Harry Potter. Li e reli esse livro inúmeras vezes porque quando me mudei pra Altamira eu não conhecia ninguém e era mês de férias. A adaptação também não foi muito fácil, então acabei ficando muito com os que fui comprando com o tempo. Logo depois, abriu uma Nobel na cidade, me tornei amigo de todos la, do dono, dos filhos dele e dos funcionários. Passava horas lá. Imagina, poucos amigos, gosto pela leitura, tempo disponível... Então pode-se dizer que embora eu tenha sido sempre um leitor, a “paixão” veio com a descoberta de livros de fantasia e com o fato de ter que me entreter sozinho.


O que te motiva a escrever?

A gente sempre pode escolher uma versão bonitinha sobre essa questão. Aliás, sobre a anterior também, né? Que motiva a escrever acho que é a vontade de comunicar, de falar, de manter diálogo. Eu falo muito, mesmo por mensagem de texto. Eu penso demais. E preciso externar isso de alguma forma e acaba sendo pela escrita.

Como ocorre teu processo de escrita?

No caso de ficção, geralmente eu tenho uma ideia. Essa ideia pode vir do “nada” ou pode vir de alguma situação orientada, como um exercício de escrita, um tuite de alguém que eu sigo e que dá pra fazer algum tipo de gracinha e que acaba criando um certo enredo ou uma chamada de textos. Essa ideia geralmente se torna um encosto que não me deixa pensar muito em outras coisas. Daí eu sento e vou escrevendo até terminar uma versão. Se eu interromper o processo sem que essa primeira versão exista, dificilmente consigo retornar pro texto. Depois, a depender da ideia, se ela continua me perturbando ou não, vou fazendo revisões e acréscimos, reescritas. Mas confesso que não sou muito fã de tantos retornos. Isso é uma coisa que me deixa muito exausto. No final das contas, é por causa disso que eu não tenho textos muito longos.

Como foi ocorre a trajetória de publicação?

Bom, os primeiros textos foram em coletâneas e concursos da UFPa, por exemplo. Também têm textos publicados em jornais literários. A maioria estava no meu antigo blog, o Folhetim Felino, que eu tirei do ar. Agora eu também tenho as autopublicações na Amazon.

O que você pensa sobre o mercado editorial brasileiro/paraense atual? É difícil ser autora/escritora no Pará?

Bom, o Mercado Editorial é claramente centrado na região Sudeste. Não só porque as editoras estão lá, mas porque autores e produtores de conteúdo também se concentram na região e, de modo geral, só compartilham as pessoas de lá. No máximo você consegue, atualmente, ver autores do Nordeste e do Sul, mas o Norte e o Centro-Oeste ainda são, pelo que vejo, menos divulgados literariamente. É mais fácil autores da região sudeste chegar aqui, do que nós do Norte, chegarmos a eles. Isso porque não me parece haver tanto interesse em se conhecer, buscar saber. Vejo isso pelas redes sociais, muito. Mesmo que haja uma interação entre autores e produtores de conteúdo de outras regiões conosco, a troca é muito assimétrica. O fato mesmo deles saberem que a gente existe não garante que haja circulação, porque eles sabem, mas não lembram.
No caso do mercado paraense, também é complicado. As editoras daqui não tem envergadura pra fazer uma projeção dos autores. A maioria são publicados pelas mesmas editoras há anos, sobre temas muito específicos e regionais. E com isso não quero dizer que há um problema em se tratar das nossas regionalidades, do que há específico do lugar, mas quem observar bem, saberá que a produção literária daqui vai muito além disso. Algumas editoras passaram a prestar atenção nisso, mas ainda é muito pouco. Por exemplo, atualmente de projeção nacional, temos o Edyr Proença, que até ganhou prêmios na França. Também temos a Roberta Spindler, que foi publicada na Suma. Edyr fala de violência urbana. Da violência de Belém e região metropolitana. Não é algo muito usual quando se pensa em literatura paraense ou em se falar de uma literatura produzida no Norte, envolto entre rios e florestas. Roberta no último romance por ela publicado, traz uma história de fantasia a partir de jogos online, hoje conhecidos como e-sports. Há personagens paraenses, mas não foca só nisso. E esses dois são exemplos de autores publicados por editoras e com maior projeção, ainda outros produzindo sobre um terror que não passa necessariamente pelo que se convencionou cultura popular local, de seres da floresta. Há também os independentes.
Mas esses últimos são mesmo um grupo mais a parte. O que temos mesmo são muitos escritores que publicam muito por editais. Não há problema nisso, mas é preocupante, a meu ver, que eles só pareçam ter esse caminho para conseguirem ser publicados.
De outro lado, há uma forte presença do que consideramos ser o cânone paraense, que ganha apoio da Universidade, já que é ela quem mais se dedica a lê-los e estuda-los.
E pra finalizar, o mercado paraense é majoritariamente masculino. E quando há presença de mulheres, elas são eclipsadas pelos homens, ainda que sejam todos escritores contemporâneos. Isso ocorre principalmente no campo da divulgação. A maneira como elas são divulgadas é muito diferente da forma como eles são. A qualidade de como se fala e de como se apresenta os homens é muito maior e mais elaborada do que das mulheres.

Quais as suas paixões além da Literatura?

Eu já fui muito de ver filmes e ver séries, mas hoje eu acho que fora trabalhar com o literário e com textos a maior parte do meu dia, eu gosto mesmo é de cozinhar.

Tem dicas para uma boa escrita e para pessoas que pretendem escrever seu próprio livro?

Ler é sempre importante, acompanhar o que tem sido publicado também, pra saber pra onde as coisas estão caminhando e de onde elas saíram. Não querer inventar a roda, nada de um novo Senhor dos Anéis. Buscar referências nacionais, que se conhece. Se for trabalhar com personagens que pertencem a minorias ou grupos étnicos, fazer uma boa pesquisa. Não achar que texto é obra de arte e que nem pode ser mexido ou criticado. Você não precisa concordar, mas não pode tolher a interpretação que fazem do teu texto. E aqui eu nem estou falando pra aceitar grosseria gratuita. Não aceite e não aceitar implica em não gastar seu tempo com gente mal educada. Revisar. Ter pessoas que leiam o material antes. Mas sempre prestando atenção que, se são seus amigos, é provável que eles tenderão a achar bom ou dizer que está bom. Então é melhor escolher pessoas que possam ter a liberdade de dizer que não está quando não estiver. Não embarcar em pagar para publicar. Escrever sempre. Submeter o máximo que der as chamadas de revistas, coletâneas e afins. Essas dicas são meio que uma reunião de dicas de experiência própria e das que já vi editores e demais pessoas do mercado editorial darem pras pessoas.

O Daniel possui uma escrita muito boa, além de escrever ficção, também escreve ensaios sobre assuntos relacionados ao meio literário e eu amo ler suas opiniões, muito bem embasadas. Saiba mais sobre ele em suas redes: Instagram - Medium - Twitter - Jornal Jamburana (ele é o dirigente desse periódico literário eletrônico).

© 2025 Palavra oblíqua – Tema desenvolvido com por Iunique - Temas.in