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10 agosto 2020

Resenha - se deus me chamar não vou

Título: se deus me chamar não vou
Autora: Mariana Salomão Carrara
Editora: Nós

Onde comprar: Amazon - Travessa

Sinopse: Quem vai te contar essa história é uma criança de 11 anos. O olhar fresco e bem humorado de quem ainda vê a vida como mistério está aqui, mas vá por mim: não subestime a solidão de Maria Carmem.
A aprendiz de escritora, enfrentando as angústias da “pior idade do universo”, irá te provar que é possível, sim, que uma menina seja mais solitária do que um velho. Ao menos uma menina que, como ela, cresce e cria suas perguntas entre os objetos de uma “loja de velhos”. Ali elas já nascem antigas, frescas e pesadas, doce feito da mais dura poesia. Maria Carmem nasceu no fim. Sendo assim, do que interessa a idade? Como ela mesma diz, “é possível que um lápis pareça estar novo, mas todo quebrado por dentro”.
É assim, toda quebrada por dentro, que ela desconstrói o mundo diante de si, o mundo adulto que cria regras e não as obedece, o mundo escolar, tudo: “na aula de matemática o problema dizia que um menino e uma menina precisavam calcular quantas laranjas levar ao parque se os convidados meninos comiam tantas e as meninas só mais tantas cada uma. E eu escrevi que não era pra levar nenhuma, que tudo é mentira, ninguém vai junto a parque nenhum nessa vida”. É também assim que ela junta e faz pergunta e faz poesia com tudo o que se ergue e desmorona, os pais, deus, o amor, o corpo, a morte, o difícil que é entender o amor dos outros.
Quando crescer, Maria Carmem vai ser escritora. Mas Maria Carmem já cresceu e já é. Esse livro é uma generosidade de sua poesia. Uma oportunidade de a gente crescer com ela.

Este livro ganhei de presente e confesso que desconhecia completamente a Mariana Salomão Carrara, autora premiada e publicada pela editora Nós, que está fazendo um trabalho lindo com a literatura brasileira e estrangeira no país.

se deus me chamar não vou é uma narrativa contada por uma menina de 11 anos, Maria Carmem, em primeira pessoa, sobre sua rotina com a família, os dois pais, na escola e em outros locais que frequenta. É uma guria sem grandes acontecimentos a serem narrados, ou superpoderes para esbanjar, mas que tem algo a contar. Maria Carmem é extremamente inteligente e sensível, e sua escrita não deixa rastros sobre outra pessoa escrevendo por ela. É realmente uma menina de 11 anos relatando em seu caderno/diário sobre como foi seu dia, o que pensa e o que sente nas diferentes situações que ocorre em sua rotina. Aspirante a escritora, Maria Carmem quer um dia ser premiada e reconhecida por seu trabalho, proporcionando orgulho aos seus pais, a quem mais deseja impressionar.

Seus pais possuem uma loja de artigos para idosos, herdada de seus avós, que faleceram recentemente na narrativa, porém, estão em uma condição de quase falência. Maria, ao ver na televisão um especialista na gerência de lojas do tipo, escreve para essa pessoa em busca de ajuda e ele vai até ela. Assim iniciam-se os acontecimentos principais desta trama. Os pais, com a loja indo bem, parecem mais divertidos, mais apaixonados e mais esquecidos também da presença da filha. Maria se sente sozinha, acha que não haverá companhia pra si no futuro e tem inveja da mãe pela sua destreza e beleza. Há motivações mais sérias e profundas para esse comportamento de Maria. Ao longo da trama, iremos descobrir também que o novo rapaz incluído na família não é meramente alguém que sempre os ajudam.

Maria ainda faz amizades com a vizinha e a amiga dela, mas, aparentemente, todas as suas relações tem uma particularidade interessante pela visão da criança. Ela traz seus pareceres sobre as pessoas com as quais convive a partir do que pensa sobre si, do que projeta nos outros e do que gostaria de ser/ter. É uma narrativa de reflexão sobre si mesmo, perspectivas sobre o mundo e sobre as pessoas, questionamentos sobre quem somos e para onde vamos, ou do que são feitas as coisas. Ou seja, um enredo imperdível de apreciar.

Não gostaria de expor mais sobre a trama, acredito que o diário de Maria Carmem deva ser lido e bem apreciado em suas minúcias e personagens existentes nele. A trama, em si, carrega um quê de melancolia e sensibilidade por meio da voz de uma criança inteligente e sonhadora, com cenas bem-humoradas, justamente pela inocência do eu-lírico, de maneira genuinamente muito bem feita, muito bem escrita. Mariana Salomão com certeza é uma autora que pretendo ler mais, sua escrita é deliciosamente fluida e envolvente. Ler a história de Maria Carmem foi doce e divertido. A edição da Nós está impecável.

27 julho 2020

Resenha - Deus com a língua nos dentes

Título: Deus com a língua nos dentes
Autor: Raimundo Vieira
Editora: Paka-Tatu
Onde comprar: Livraria Paka-Tatu


Ler poemas não é algo costumeiro em minha rotina literária, venho mudando isso aos poucos, até mesmo como uma forma de preparação para possíveis aulas sobre o tema, além de ser um alento esse tipo de leitura, que fala tanto sobre tantas coisas, às vezes em poucas palavras. Descobrir "novas poesias" está sendo leve e muito prazeroso. Em um projeto de iniciar essas leituras e conhecer também autores da minha região, do estado do Pará, tive o prazer de realizar a leitura desse livro, de um professor em que já trabalhei no mesmo colégio, e que possui uma produção incrível.

Deus com a língua nos dentes trata sobre diversos temas, entre críticas sociais, homenagens ao filho, e menções ao rock e outros gostos pessoais, porém, o que mais chama atenção são as referências da área de Letras: entre paródias literárias e alfinetadas linguísticas, a obra de Raimundo Vieira é divertida, mas principalmente questionadora de um status quo acadêmico.

Ora, signo linguístico...
Promova o armistício.
Substantive a ação.
Catacrese a vida.
Significante patético.
Verbalize logo o poético.
Raimundo Vieira

A ironia e o sarcasmo sobre diferentes assuntos é o ponto-chave atraente da obra. Não há 'papas na língua', mas também não há críticas descaradas. Há, sim, uma linguagem subversiva e poética, voltada para apontamentos mais do que necessários relativos a diferentes questões sociais, pessoais e profissionais.

No cubículo do elevador.
No quadrado do quarto.
No ônibus retangular.
Na igreja piramidal.
No círculo universal.
O enquadramento circunscrito da liberdade...
Raimundo Vieira

As referências literárias, não somente no fazer poético do próprio autor, mas explicitamente marcados nele, é outra grata surpresa na obra. Encontrar essas referências, por meio da sua escrita, é se deparar com leituras e memórias literárias já lidas, pertencentes à nossa formação (enquanto profissionais de Letras, e enquanto amantes da Literatura.

Ser literárioDesviar da pedra do caminho.
Pular a terceira margem do rio.
Preservar o olhar oblíquo e dissimulado.
Morder a maçã no escuro.
Deixar flores no cemitério dos vivos.
Não calar o Boca do Inferno.
Expelir o concretismo.
Transfusão e mimetismo.
Transição e transformismo.
Literário e libertário.
Raimundo Vieira

No mais, a edição da editora Paka-Tatu está perfeita, a capa transmite um pouco sobre o que se trata o livro, e sou grata por tê-lo em minha estante. É um livro para ser lido sempre que possível, em dias difíceis ou amenos, por meio dessa poesia em que me encontrei tanto.

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